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Depressão na gravidez – Sob a perspectiva Psicanalítica

INTRODUÇÃO

A depressão materna constitui-se como uma psicopatologia no período puerperal, com isso, todas as expectativas e esperanças atribuídas à criança acabam rompendo-se no processo de parto, uma vez que, ocorre mudanças no estilo de vida da mulher.

Dessa maneira, por um lado a figura materna encontra-se em uma situação delicada por sentir-se incapaz de cuidar do bebê referente à alimentação, educação, saúde, higiene e outras necessidades básicas para garantir a sobrevivência do mesmo, por outro viés, a mulher sente-se frustrada e também angustiada por abandonar seus projetos de vida para o futuro, pois os cuidados da prole exige amor incondicional, tempo e dedicação para criar a criança.

Nesse ínterim, essa condição pode gerar estresse e decepção culminando na fase de depressão.
A problemática dessa pesquisa deveu-se a seguinte questão norteadora: quais os motivos que levam a depressão materna?
Nesse sentido, o estudo apresentou o objetivo geral de analisar a depressão materna sob a luz da abordagem psicanalítica.
Para tanto, surgiu a necessitar de utilizar os seguintes objetivos
específicos:Traçar considerações sobre a instituição familiar, apontar características sobre a maternagem, enfatizar a influência da linguagem enquanto representação
simbólica na gravidez e explicitar o processo de depressão materna.

 METODOLOGIA

O estudo tem a finalidade de analisar a depressão materna sob a luz da abordagem psicanalítica. A revisão de literatura foi desenvolvida conforme a temática escolhida pela pesquisadora, onde foram utilizados procedimentos metodológicos para alcançar os objetivos propostos, através de uma pesquisa de
natureza bibliográfica.
Com relação à finalidade do estudo bibliográfico, Gil (1994, p.21) afirma:
A pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de
informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto.

O método investigativo bibliográfico a pesquisadora utilizou livros, revistas, sites e artigos para facilitar o desenvolvimento do estudo e validar a concepção proposta.
Utilizou-se também a abordagem qualitativa, pois de acordo com Denzin ; Lincoln (2006):

É uma atividade situada que localiza o observador no mundo;
consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, entrevistas, fotografias. Busca-se entender o fenômeno em termo dos significados que as pessoas a ele conferem. A competência da pesquisa qualitativa será o mundo da experiência vivida, pois é nele que a crença individual, ação e cultura entrecruzam-se.

O método supracitado foi importante para efetuar a aplicação dos dados na análise e discussão dos resultados, pois, permitiu a pesquisadora fundamentar as informações apresentadas na revisão de literatura.

A pesquisa também é de natureza exploratória, pois de acordo com Gil (2007, p.17):

Este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve:
(a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão.

O método exploratório permitiu gerar hipóteses durante a análise do conteúdo explanada, portanto, facilitou a postura epistemológica da pesquisadora frente à temática escolhida, pois, foi fundamental para realizar a aplicação das informações
teóricas apresentadas na revisão de literatura para validar o tema proposto.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSTITUIÇÃO FAMILIAR

A família constitui-se como o alicerce para a sociedade, pois, é a primeira instituição na qual o individuo é inserido, portanto, é no seio familiar onde ocorre o processo de socialização primária, com isso, essa instituição é caracterizada pela
intensa identificação afetiva proporcionada à criança, diante essa realidade. Conforme Winnicott (2008, p.28):

O bebê não quer tanto que lhe dêem a alimentação correta na hora exata como, sobretudo, ser alimentado por alguém que ama alimentar seu próprio bebê. O bebê aceita como coisas naturais a maciez das roupas ou a temperatura correta da água do banho. O que ele não pode dispensar é o prazer da mãe que acompanha o ato de vestir ou de dar banho ao seu próprio bebê. Se tudo isso lhe dá prazer, é algo como o raiar do sol para o bebê. O prazer da mãe tem que estar presente nesses atos ou então tudo o que fizer é monótono, inútil e mecânico.

Dessa maneira, desenvolvimento cognitivo da prole está diretamente relacionado ao equilíbrio emocional e racional simultaneamente o qual será promovido pela figura materna.
Segundo Sousa e Filho (2008, p. 2).

A família é a responsável pelos cuidados físicos, pelo desenvolvimento psicológico, emocional, moral e cultural da criança na sociedade, desde o seu nascimento. Com isso, através dos primeiros contatos com a família a criança supre suas necessidades e inicia a construção dos seus esquemas perceptuais, motores, cognitivos, linguísticos e afetivos. Também é a partir da família que a criança estabelece ligações emocionais para o estabelecimento de uma socialização adequada.

É na família onde os papéis são pré-determinados, facilitando o respeito às regras e limites de convivência entre as crianças e a mãe para evitar problemas de relacionamento da criança com a família, pois a negligência ou permissividade da mãe diante dos comportamentos furtivos da criança gera conseqüências negativas.
Nas palavras de Winnicott (1990, p. 132):

Seu amor por seu próprio bebê provavelmente é mais verdadeiro, menos sentimental do que o de qualquer substituto; uma adaptação extrema às necessidades do bebê pode ser feita pela mãe real sem ressentimento. É ela quem está em condições de preservar todos os pequenos detalhes de sua técnica pessoal, fornecendo assim ao bebê um ambiente emocional simplificado (que inclui os cuidados físicos).

Compreende-se que é papel da mãe, estabelecer uma relação mutua por meio da criação de vínculos afetivos, com o propósito de favorecer futuramente os processos psicológicos superiores da prole, dessa maneira, ocorrem naturalmente o
processo de consolidar uma relação caracterizada pela alteridade, satisfazendo os desejos da mãe e da criança.

. Enfatiza Tiba (1996, p.178) “É dentro de casa, na socialização familiar, que um filho adquire, aprende e absorve a disciplina para, num futuro próximo, ter saúde social […]”.
O equilíbrio entre o aspecto emocional e racional influencia no
desenvolvimento dos processos cognitivos da criança, com isso, a falta vínculo afetivo e regras na instituição familiar dificulta o processo de socialização secundária da criança, pois, existe o conflito de valores entre ambos, gerando tensão e frustração nas mesmas, uma vez que a criança teme que sua identidade seja sucumbida, já que, a liberdade de pensar e agir são condicionadas pela sistematização do conhecimento histórico e cultural. De acordo com Lima (2013, p.07):

[…] a família […] deve viabilizar relações pautadas na afetividade e no adequado desempenho de papéis. As crianças ao viverem ora como aluno, ora como filho, aprendem as normas sociais e éticas e compreendem o seu lugar no mundo. Se os adultos se eximirem da sua tarefa educativa, a criança encontrará dificuldades na construção
do ser “sujeito” e dificilmente entenderá o mundo e seu
funcionamento.

A concepção do autor revela que o sistema de referência familiar viabiliza adesão da criança nos diferentes espaços e situação da vida, pois o vinculo afetivo construído com a mãe torna-se o alicerce, para que a mesma compreenda as normas e regras sociais, promovendo sua adaptação constante aos desafios da vida.
Enfatiza Lima (2013, p.08):

A família tem o papel de acolher a criança e promover individuação e pertencimento. No convívio diário, nas conversas, na forma de proceder diante das rotinas da dia a dia è que a criança compreende os mitos, as crenças, os ritos de sua família, assim como a forma deles de viver e conviver.

O autor supracitado demonstra que a subjetividade da criança é constituída conforme a forma de acolhimento que a família proporciona a criança, pois, a resiliência da mesma.

3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MATERNAGEM

Quando a criança nasce necessita de atenção incondicional para promover seu equilíbrio emocional e fortalecer sua auto-estima, portanto, o papel da mãe é oferecer um ambiente acolhedor com a finalidade de estabelecer um vinculo afetivo
com a prole.
Segundo Winnicott (2001): “É necessário ser oferecido ao bebê o ambiente adequado para que ele se desenvolva bem. Assim, é de fundamental importância o que acontece na díade mãe-bebê ao longo do desenvolvimento da criança”.
De acordo com a concepção do autor, compreende-se que o desenvolvimento psicológico da criança é determinado pela interação mútua entre ambos mãe-filho, isto é, no momento em que a mãe satisfaz a necessidade da criança simultaneamente testemunha os efeitos da aprovação na qual foi concedida por ela, ampliando o vínculo afetivo com a criança.
Jerusalinsky (2002, p.137) preconiza:

[…] a mãe não só estabelece a demanda do bebê – colocando em cena seu saber inconsciente para ler, para outorgar significação ao choro –, ela produz outro movimento fundamental: após formular uma resposta à demanda do bebê, ela se certifica de que a significação que atribuiu a tal demanda tenha sido acertada. É como se a mãe se interrogasse: “será que é isso mesmo que ele queria?”
Nesse movimento ela supõe sujeito no bebê, supõe nele um desejo que não necessariamente coincidiria com o dela. A mãe sustenta uma posição de sujeito desde muito cedo, ainda quando as reações do recém-nascido são reflexas, carecendo de qualquer intencionalidade, ela está a supor um desejo no bebê.

Dessa forma, a estruturação e o desenvolvimento da personalidade da criança são influenciados pela forma de cuidado que a mãe proporciona a prole, pois sua subjetividade é construída gradativamente através da satisfação das suas necessidades básicas que funcionam como alicerce ou referência para a própria criança no futuro.

De acordo com Brazelton e Cramer (2002, p.12):

A gravidez de uma mulher reflete toda a sua vida anterior à
concepção, suas experiências com os próprios pais, sua vivência do triângulo edipiano, as forças que a levaram a adaptar-se com maior ou menor sucesso a essa situação e, finalmente, separar-se de seus pais.

È nítido perceber que o equilíbrio da mãe é determinado pelo pleno desenvolvimento na sua fase infantil, portanto, o complexo de édipo resolvido através do confronto dos sentimentos ambivalentes no período infantil propicia a mãe se adaptar as necessidades da criança e satisfazer suas demandas de forma efetiva.
Para Jerusalinsky (2002, p. 138).

A mãe articula a demanda do bebê ao seu saber inconsciente, à sua rede significante, atribui à ação do bebê um sentido, a partir do qual realiza a oferta de uma ação específica. Mas, neste movimento de articulação da pulsão pela demanda, também se abre a dimensão do desejo, pois a pulsão não fica toda articulada na demanda, o desejo sempre escapa, sempre insiste na busca da realização do que ficou inscrito como satisfação.

O período de gravidez da mulher é fundamental para que a mesma compreenda os sentimentos provocados pela expectativa de ter a criança e o desamparo com relação às condições favoráveis para satisfazer suas necessidades
e propiciar o desenvolvimento da mesma.
Afirma Klaus; Kennel e Klaus (2000, p.2):

O investimento emocional dos pais em seu filho. É um processo que é formado e cresce com repetidas experiências significativas e prazerosas. Ao mesmo tempo outro elo, geralmente chamado de‘apego’, desenvolve-se nas crianças em relação a seus pais e a outras pessoas que ajudem a cuidar delas. É a partir dessa conexão emocional que os bebês podem começar a desenvolver um sentido do que eles são, e a partir do que uma criança pode evoluir e ser capaz de aventurar-se no mundo.

A família é a primeira instituição que a criança é inserida, com isso, é no seio familiar que ocorre o processo de socialização primária, onde é caracterizado por uma forte identificação afetiva da criança com os pais, portanto, os genitores precisa
conceder aprovação aos comportamentos da prole independentemente de sua finalidade, pois a futura socialização secundaria depende dos valores construídos na instituição familiar.
Para Winnicott (2000, p.6):

É só na presença de uma mãe suficientemente boa que a criança pode iniciar o processo de desenvolvimento pessoal e real. A mãe suficientemente boa é flexível o suficiente para poder acompanhar o filho em suas necessidades, as quais oscilam e evoluem no percurso para a maturidade e a autonomia.

Conforme o autor supracitado compreende-se que o desenvolvimento pleno do aparelho psíquico da criança depende da relação empática da mãe com a prole, satisfazendo as necessidades físicas da criança (holding) e psicológicas através da relação ambiente – individuo buscando a integridade do self.
De acordo com Winnicott (1983, p. 56): “Quando a mãe não é suficientemente boa, a criança não é capaz de começar a maturação do ego, ou então ao fazê-lo, o desenvolvimento do ego ocorre necessariamente distorcido em certos aspectos vitalmente importantes”.
A saúde mental da criança depende da condição maternagem o qual propicia a prole a atingir a independência de acordo com o meio ambiente oferecido pela mãe, onde a criança tem a possibilidade de constituir sua subjetividade, portanto,
desde o processo de desmame a mãe suficientemente boa, oferece condições de ilusão para o bebê, para que o mesmo se adapte gradativamente a realidade externa visando evitar os estados esquizóides futuramente.
Segundo Winnicott (2000, p.315):

A mãe pode vir a falhar em satisfazer as exigências instintivas, mas pode ser perfeitamente bem sucedida em jamais deixar que o bebê se sinta desamparado, provendo as suas necessidades ecóicas até o momento em que ele já possua introjetada uma mãe que apóia o ego e que tenha idade suficiente para manter essa introjeção apesar das falhas do ambiente a esse respeito. Quando o par mãe-bebê funciona bem o ego da criança é apoiado em todos os aspectos.

Ao mesmo tempo em que a mãe satisfaz as demandas instintivas da criança, impõe também oportunidades para que a mesma se sinta desamparada, essa condição é caracterizada por introduzir o bebê gradativamente na realidade externa
buscando fortalecer o ego da criança, visto que, o sistema de referência de vínculo mãe-filho foi estabelecido nos enquadres do desenvolvimento infantil.

3.3. A INFLUÊNCIA DA LINGUAGEM ENQUANTO REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA NA GRAVIDEZ

Socialmente a linguagem é um instrumento simbólico essencial presente nas relações humanas, pois é através desta que o individuo tem a capacidade de expressar seus desejos e necessidades, ocorrendo uma permuta de valores e crenças em função da satisfação da sociedade, essa ferramenta possibilita as pessoas a constituir sua identidade através da cultura na qual está inserido. De acordo com Ferreira e Lima (2008, p.02):

A linguagem é ideológica, social, histórica e cultural e que está
vinculada à vida do ser humano. Essa vinculação envolve o indivíduo
dentro e fora da escola. Mas é fato que a linguagem se diferencia dependendo do contexto onde se vive. Os vários contextos onde se constrói e se desenvolve a linguagem têm sido alvo de estudos diversificados, entre eles estão os aspectos sócio-histórico-culturais.
Por isso, entendemos que é na linguagem, como uma ação humana, que está inserida toda uma história adquirida através das experiências vivenciadas pelo indivíduo. Este aspecto se apresenta como uma rede de significados que revela o indivíduo no mundo.

Sabe-se que a identidade não é um referencia natural de todo ser humano, pois a mesma é norteada por aparelhos ideológicos, na qual desvencilham a pessoa de sua condição epistemológica frente à realidade, com isso, pode gerar a depressão no sujeito.
Para Sigal (2002, p.5):

As questões da maternidade não se definem somente pelo Édipo, não podendo se afirmar que todo filho é um falo, já que nesse processo se entrecruzam questões de gênero, etnia, classe social, história individual, formando uma trama relacional que constitui realidades psíquicas singulares. Por ver no filho algo mais que um falo, reconectando-se com outras fontes de prazer narcísico, é que existe a possibilidade que a mãe deixe seu filho construir sua própria subjetividade.

Entende-se também que a linguagem é concebida como ferramenta essencial a cultura e fato de conseguir ser repassada ao longo da historia deve-se ao fato do sistema de referência da época é que a mesma satisfaz os interesses das classes dominantes, dessa forma influencia diretamente na maneira como a mulher concebe a prole em função da sua ideologia no discurso.
Preconiza Lane (2006, p.22):

O que, de fato, representa a identidade social, definida pelo conjunto de papéis que desempenhamos […] estes papéis atendem, basicamente, à manutenção das relações sociais representadas, no nível psicológico, pelas expectativas e normas que os outros envolvidos esperam sejam cumpridas.

Conforme o autor entender-se a linguagem constitui-se como um instrumento onde a identidade do sujeito é reconhecida pelo jogo de palavras fundamentadas em um sistema referência ideológico persuasivo na qual satisfaz a expectativa da própria sociedade.
Freud (1996, p.4) diz que:

O sujeito é subordinado às determinações eróticas, mesmo na
satisfação das denominadas necessidades básicas; dessa forma, os cuidados necessários para uma criança, promovidos em geral pela mãe, são permeados por questões pulsionais na via do desejo.
Portanto, o exercício da maternagem não pode ser pensado
unicamente pela necessidade que uma criança tem de ser cuidada.

A mulher ao romper com esses paradigmas, principalmente pelo desejo assumir o papel de ser mãe, ideologicamente desconstrói as crenças e valores repassados ao longo do tempo associado à posição da figura materna.
Sobre o perigo do jogo simbólico Borba (2003, p. 46) afirma:

A fala, resultado da necessidade de comunicação ou de interação social, é momentânea. Por ser realização individual da língua, torna-se fluente e vária, pois muda de individuo para indivíduo, de situação para situação. Altera-se facilmente pela influência de fatores diversos ligados ao falante ou às circunstancias em que se produz. No primeiro caso, depende de estados anímicos (emoção, irritação, aflição, pressa etc.) ou até das variações de estatuto social por ascensão, educação, migração etc. No segundo caso, depende de tudo o que acontece em redor do indivíduo quando está falando:
ambiente fechado ou aberto, presença de muitas pessoas, ruídos diversos etc.

A linguagem e representação simbólica podem representar vários significados conforme sua cultura, sucumbindo a identidade da mulher, impedindo a mesma de vislumbrar sua subjetividade, isto é, tomar consciência de si mesma de seus desejos e expectativas enquanto projeto de vida, em detrimento de aceitar o modelo cristalizado historicamente em cumprir com a posição de mãe para garantir a manutenção das relações sociais.

Donat (2008, p.14) afirma:

Ora, a aceitação dessa imagem provoca um ceticismo acerca da
significação, pois se temos que aceitar que o fundamento da
significação é a experiência subjetiva, então temos também que
aceitar que a associação entre palavra e experiência deve acontecer privadamente, uma vez que apenas o próprio sujeito tem acesso às suas experiências e pode a elas associar palavras. Teríamos também que aceitar a existência de critérios subjetivos para a discriminação e identificação das experiências subjetivas, que serviriam então de critérios para a correção ou não do uso das palavras correspondentes. Tais critérios devem ser privados, pois só o próprio sujeito tem acesso às suas experiências subjetivas, no sentido de que só ele tem tais experiências e que só ele pode saber o que está vivenciando, ou sentindo, em dado momento.

Conforme a idéia do autor, se a linguagem depende do aspecto idiossincrático do sujeito, só ele pode formular a percepção de sí próprio, através de referências baseadas na sua experiência com a realidade, e não através de rótulos sustentados pela polimorfia de poder na qual seqüestra o processo de alteridade da mulher impedindo a mesma de vivenciar suas sensações ou sentimentos sem prescrições de identidade.
Segundo Pougy (2006): “as verdades só podem alcançar a coerência de determinado discurso se estiverem presentes em determinados campos do enunciado. Um enunciado não é uma frase, uma palavra ou um sintagma. O enunciado é uma função enunciativa do discurso”.
Focault (1999, p.32) enfatiza que a linguagem é:

[…] é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles ‘fazem sentido’ ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação. Não há razão para espanto por não se ter podido encontrar para o enunciado critério estruturais de unidade; é que ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam conteúdos concretos, no tempo e no espaço.

A gravidez mantida e reproduzida ao longo do tempo por meio do jogo simbólico da linguagem na qual prescreve desejos, é imposta em uma conjuntura de dominação através de um espaço de correlações conforme a realidade apresenta, com isso, ela se torna funcional a medida em que satisfaz o modelo de produção da vida material, pois a mesma esvanece o efeito produzido pela sensação e conseqüentemente o sujeito utiliza o sentido provocado pela palavra como mediadora de sua própria identidade, ocorrendo assim a individualização do sujeito
individual, isto é, a subjetividade privatizada em um ciclo contínuo provocando sentimento negativos na mulher, principalmente em relação a tomada de decisão em assumir o papel de mãe.
De acordo com Foucault (1995, p. 235):

Ação do biopoder e do poder disciplinar. Essas lutas caracterizam-se por serem transversais, ou seja, acontecem em vários países ao mesmo tempo; têm por objetivo os efeitos do poder enquanto tal, ou
seja, do poder pelo poder; são imediatas, elas atuam rapidamente;
elas questionam o estatuto do indivíduo, buscam a coletividade; são
lutas contra o privilégio do saber; e, finalmente, são lutas que
buscam “quem somos nós”, numa forma de se rebelar contra a
subjetivação imposta pelo poder.

Sobre os desdobramentos da linguagem restrita à análise dos
agenciamentos.
Almeida (2003, 62) afirma:

Dado um enunciado, dado um conjunto de signos, nosso problema
primeiro é saber qual agenciamento ele efetua, de que regime de
signos participa, em que ponto cruza as formas de conteúdo, com
que velocidade se aproxima do plano de consistência, se é potência
criativa e alonga-se em direção aos limites (desterritorialização) ou
se forma blocos de captura (reterritorialização). Montagem e
desmontagem de agenciamentos, linhas, forças, materiais.

O discurso é pré-concebido pelo jogo de regras sociais, o qual estabelece o
aparecimento ou o desaparecimento de enunciados, conforme o plano de

consistência do regime do sistema de referência da época, propiciando o
agenciamento através de uma esfera multifacetada na expressão de um conteúdo.
De acordo com Fiorin (2002, p. 08).

A linguagem é um fenômeno extremamente complexo, que pode ser
estudado de múltiplos pontos de vista, pois pertence a diferentes
domínios. É ao mesmo tempo, individual e social, física, fisiológica e
psíquica. Por isso, dizer que a linguagem sofre determinações
sociais e também goza de certa autonomia em relação às formações
sociais não é uma contradição

Conforme o pressuposto, existe na linguagem um conjunto de estratégias de
poder adaptados a realidade capitalista, o qual funciona a partir da lógica dos
dispositivos que engendram formas de sujeito ser social , induzindo assim as formas
de pensar e agir.
Segundo Foucault (2007, p.468)

Mas pode ser também que esteja para sempre excluído o direito de
pensar ao mesmo tempo o ser da linguagem e o ser do homem pode
ser que haja aí como que uma indelével abertura de tal forma que
seria preciso rejeitar como quimera toda a antropologia que
pretendesse tratar do ser da linguagem, toda concepção da
linguagem ou da significação que quisesse alcançar, manifestar e
liberar o ser próprio do homem.

Entende-se que a posição de mãe é influenciada pela materialidade do
discurso determinado pelo enunciado, porque está fundamentado em um momento
histórico, com isso, o enunciado de um discurso de transforma à medida que os
interesses de um determinado período entra em vigor, assim, coexiste uma
ambigüidade entre a verdade, ou o saber, e o poder há saber, isto é, a mulher
encontra-se em situação frágil, pois de uma lado existe o papel prescrito da
maternidade concebido pela cultura, por outro, o desejo de liberdade para satisfazer
interesses os quais estão além do papel de mãe.

Foucault (1995):

É como se ao libertar-se deste primeiro estágio de “grilhões
lingüísticos” que dão vida prática e transparência inicial à cultura,
esta instaurasse um segundo grilhão, neutralizador dos primeiros,
fazendo-os aparecerem ao mesmo tempo em que os excluíssem,
encontrando, assim, o estado bruto da ordem. E é em nome desta
ordem que são criadas as teorias gerais dos fatos, a ordenação das
coisas e a interpretação que as mesmas requerem. Temos, portanto,
entre a percepção já codificada e o pensamento reflexivo, um entre –
lugar promotor de uma liberação da ordem no seu ser mesmo. É
neste momento que a ordem, de fato, aparece, segundo as culturas e
épocas, contínuas e graduadas, ou fragmentadas e descontínuas,
variáveis, conectadas ao espaço e geradas a cada instante de
tempo.

A concepção do autor demonstra que o dispositivo engendrado pela ciência
normaliza e universaliza a constituição da verdade no discurso, cada vez mais a
linguagem se torna mais abstrata para atender os interesses da classe burguesa
dominante, para sustentar o modo de vida material os qual normaliza os status
macrossocial.

3.4 DEPRESSÃO MATERNA

A maternidade envolve uma multiplicidade de vetores de cunho psicológico e
social, cadê vez mais se percebe que o desejo da mulher em conceber um filho
ultrapassa os limites do instinto materno, pois, os valores culturais e sociais
prescrevem e naturalizam na mulher a ideologia para representar esse papel
historicamente, com isso, pode-se gerar a depressão caso a figura feminina não se
identifique com os valores e crenças associadas a condição de maternidade ao
longo do tempo.
Segundo Badinter (1985, p.19):

O amor materno foi por tanto tempo concebido em termos de instinto
que acreditamos facilmente que tal comportamento seja parte da
natureza da mulher, seja qual for o tempo ou o meio que a cercam.
Aos nossos olhos, toda mulher, ao se tornar mãe, encontra em si
mesma todas as respostas à sua nova condição. Como se uma
atividade pré-formada, automática e necessária esperasse apenas a
ocasião de se exercer. Sendo a procriação natural, imaginamos que
ao fenômeno biológico e fisiológico da gravidez deve corresponder
determinada atitude materna.

O sistema de produção estabelece maneiras das pessoas representarem
papéis na sociedade para resguardar a manutenção das relações sociais, portanto,
assim como o papel de pai é ser o protagonista e provedor da instituição familiar, a
mãe é preconcebida como condição de procriadora, caso a mesma não exerça o
papel determinado pelos valores culturais.

Observa-se que a mulher teme ser vítima do preconceito e discriminação,
com isso, para evitar frustração e ansiedade se submete a procriação, assim o filho
funciona como representação simbólica substituta dos entraves impostos pela
cultura, culminando no estado de depressão na figura materna.
De acordo com Winnicott (1978, p.07):

Caso a mãe não seja suficientemente boa e esse cuidado apresente
falhas onde se estabeleça carências que não são corrigidas, o bebê
poderá ter um comprometimento na constituição de sua
subjetividade devido a esta deficiente relação materna. A privação de
relações objetais ao longo do primeiro ano de vida é um fator muito
prejudicial, que leva a sérios distúrbios emocionais na criança, como
se esta estivesse sendo privada de algum elemento vital à
sobrevivência.

Quando a mãe não consegue satisfazer as necessidades do bebê, ocorre a
falha com relação à adaptação as demandas da criança, com isso, a mesma se
sente coagida em reagir a essa experiência o qual é percebida como invasiva, com
isso, essa condição compromete a integridade do self da mãe, visto que, encontra-
se impossibilitada de organizar as suas experiências sensoriais.

Segundo Coutinho (1999, p. 98):

Um bebê não pode existir sozinho, mas é parte de uma relação.
Sempre que encontramos um bebê, encontramos a maternagem,
pois “um bebê não pode ser pensado sem a presença de alguém que
lhe exerça a função de mãe e sem um ambiente, por esta última
criada, onde possa evoluir e desenvolver seu potencial de
crescimento e amadurecimento.

Toda criança possui um sistema de referencia maternal, seu self não pode ser
constituído sozinho, pois, seu crescimento e amadurecimento dependem da
evolução dos enquadres ocorridos no processo de desenvolvimento infantil, onde a
mãe oferece aprovação a seus comportamentos sem emitir juízo de valor
inicialmente, para posteriormente submeter a criança a situações de ilusão,
buscando fortalecer o ego da mesma, preparando-a para os desafios da realidade
externa.
Enfatiza Winnicott (1978, p.02): “A falha materna prolongada provoca fases
de reação à intrusão e as reações interrompem o ‘continuar a ser’ do bebê, gerando
uma ameaça de aniquilamento”.
O processo de adaptação as necessidade da criança é gradativo, portanto, a
mãe suficiente boa, satisfaz a demanda do bebê, através dos laços de empatia, o
qual permite a mãe proporcionar uma relação mutua com a criança.
Diante dessa realidade, quando ocorre a falha materna a mãe apresenta
dificuldade em elaborar o luto simbólico do corpo, processar perdas e ressignificar
sua experiência diante da condição da maternidade, gerando sentimentos negativos
caracterizados por angustia e frustração.
De acordo com Badinter (1985, p.02):

Não se pode então fugir à conclusão de que o amor materno é
apenas um sentimento humano como outro qualquer e como tal
incerto frágil e imperfeito. Pode existir ou não, pode aparecer e
desaparecer, mostrar-se forte ou frágil, preferir um filho ou ser de
todos. Contrariando a crença generalizada em nossos dias, ele não
está profundamente inscrito na natureza feminina. Observando-se a

evolução das atitudes maternas, verifica-se que o interesse e a
dedicação à criança não existiram em todas as épocas e em todos os
meios sociais. As diferentes maneiras de expressar o amor vão do
mais ao menos, passando pelo nada, ou quase nada.

Conforme o pressuposto compreende-se que o amor materno obedece o crivo
da causalidade linear do modelo pré-determinado pela cultura , na qual institui na
mulher a necessidade de idealizar a relação mãe-filho na qual é associada com a
união perfeita, garantindo assim na mesma, o alivio da tensão ou ansiedade
provocada pela condição de abandono ou perda mitigada pela polimorfia de poderes
da sociedade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve a finalidade de investigar a depressão materna sob a luz da
perspectiva psicanalítica, logo, foi utilizado o procedimento técnico bibliográfico para
validar o estudo com clareza e precisão.
De acordo com as informações apresentadas na produção desse estudo,
conclui-se que antes do período puerperal a mulher idealiza expectativas sobre a
criança com relação ao amor, cuidado, educação, saúde, alimentação e outros
aspectos que promovem o bem-estar da prole, mas observou-se que a criança ao
nascer, as esperanças da figura materna são sucumbidas pelo viés do estilo de vida
anterior, onde a mãe entende que seus projetos de vida fomentados antes do parto
precisam ganhar um novo olhar em função da satisfação nas necessidades da prole.
Nesse sentido, essa condição gera angustia e frustração na mãe, pois de um
lado existe a influencia da cultura patriarcal que engessa o papel da figura materna
como identidade da mulher, por outro, os valores, crenças e atitudes edificados até o
parto são rompidos em função do paradigma do papel de mãe, isso culmina em
sentimento negativos, dessa maneira, a mãe reprime os sentimentos os quais para
ela não pode ser expressados diretamente na mulher gerando a depressão. Nesse
ínterim, ocorre o sofrimento psicológico enquanto como representação simbólica de
expressar a dor que a mesma encontra impossibilitada de manifestá-la.
.

REFERÊNCIAS

TIBA, Içami. Disciplina, Limite na medida certa. 41. ed. São Paulo: Gente, 1996.

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WINNICOTT, W. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

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Este material sobre: DEPRESSÃO NA GRAVIDEZ –
A LUZ SOB A PERSPECTIVA PSICANALITICA , foi escrito por IONE IRES BARBOSA DOS ANJOS DE MELO, aluna formada no nosso curso de mestrado livre em psicanálise.


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