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OS CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE
SOBRE A OBRA
Em uma carta de Wilhelm Fliess destinada à Freud na data de 12/06/1897 em poucas palavras ele registrou queixas de que os sonhos “estavam por demais cheios de chistes”, ao ler A Interpretação de Sonhos no outono de 1899 de Sigmund Freud. Este episódio instigou Freud a voltar sua atenção ao assunto, mas há registros que esse não foi a origem principal de seu interesse sobre esse tema, pois há fortes evidências de que Freud já tinha o assunto em mente vários anos antes, pois na segunda metade do século XIX, vários outros autores escreveram sobre riso e sobre cômico, temas estes considerados moda da época. Freud era um obsessivo colecionador de anedotas e tinha um senso de humor, afiado, mesmo cáustico. No curso da discussão da relação entre os chistes e os sonhos, Freud menciona sua própria ‘razão subjetiva para dedicar-se ao problema dos chistes’. Em carta a Fliess, de 12 de junho de 1897, Freud cita um chiste sobre dois “Schnorrer” , assim ele escreveu: “Devo confessar que desde há algum tempo estou reunindo uma coleção de anedotas de judeus, de profunda importância”. Em 21 de setembro de 1897, Freud cita uma outra história de judeu, como pertencente o que ele considerava como “minha coleção” e inúmeras outras aparecem tanto na correspondência com Fliess como em sua obra A Interpretação de Sonhos. Desta coleção, naturalmente foram surgindo muitos outros exemplos de tais anedotas sobre as quais tão amplamente se baseia sua teoria.
O termo Witz, traduzido na edição brasileira por Chiste, tem raízes no romantismo alemão e é de difícil tradução para o português. Os franceses preferiram esprit, espírito, o dom de quem é espirituoso. Podemos traduzir do alemão por dom de contar acertadamente algo alegre e divertido, dom de replicar pronta e alegremente, graça de espírito, o espírito da coisa, inteligência, engenhosidade, esperteza. O termo remete também para o verbo wissen que significa saber, ou seja, um gaio saber, um saber alegre. Consideraremos tanto as piadas quanto o humor apresentações privilegiadas do Witz, porém elegeremos o humor com o papel de destaque que lhe é dado por Freud no seu texto de 1927 – O Humor, vinte e dois anos após ter escrito o primeiro livro sobre o assunto.
Em 1905, Freud publica Os chistes e sua Relação com o Inconsciente, no qual tentava desvendar o que torna uma piada risível e o que é o riso para a economia psíquica. O que o discurso freudiano enfatizou na técnica do chiste e do seu efeito humorístico são os mesmos mecanismos da condensação e deslocamento, pelos quais o inconsciente se apresenta, como nos sonhos, atos falhos e sintomas. Quando escrevia A interpretação dos sonhos, Freud já notava nos sonhos algo curioso: a presença neles de alguma coisa semelhante aos chistes (registro em uma das cartas de Fliess à Freud em 11/09/1899).
Na década de 1890, Freud juntou várias piadas de judeus, servindo como base para criação da obra em discussão, sendo esta considerada sua maior contribuição ao estudo do assunto em questão. O livro investiga as fontes inconscientes do prazer que sentimos com gracejos, piadas, trocadilhos etc. A característica principal de um chiste não se acha em seu conteúdo, mas em sua técnica: o pensamento é condensado por meio de uma palavra modificada, como quando um pobre coitado diz: “Rothschild me tratou como um igual, de modo bem “familionário” (juntando “familiar” e “milionário”)”. Processos similares ocorrem nos sonhos, mas, à diferença destes, os chistes requerem uma audiência, têm uma função social. Eles geram uma “economia do gasto psíquico”, ao permitir que obtenhamos prazer de assuntos reprimidos.
Em sua obra Além do Princípio do Prazer (1908), Freud nos mostra através de um exemplo com seu neto de um ano e seis meses, que brincava com um carretel de madeira com um pedaço de cordão, amarrado em volta dele, que o fazia desaparecer enquanto a criança expressava “fort”(fora), puxava então o carretel e o fazia reaparecer exclamando “da”(aqui); a essa experiência Freud chamou de “Fort-da”, sendo interpretado como um jogo que a criança fazia para suportar a ausência da mãe. Essa brincadeira, segundo a interpretação de Freud: “(…)se relacionava à grande realização cultural da criança, a renúncia instintual (isto é, a renúncia à satisfação instintual) que efetuara ao deixar a mãe ir embora sem protestar. Compensava-se por isso, por assim dizer, encenando ele próprio o desaparecimento e a volta dos objetos que se encontravam a seu alcance”, (FREUD 1920).
No último capítulo do livro dos Chistes, são tecidos alguns comentários sobre o humor. O fato ocorre quando Freud nos apresenta o tema humor e como chistes estão relacionados aos mecanismos inconscientes da mente humana, ele faz uma nota de quão pouco esforço tinha sido feito até aquele momento para estudar exaustivamente a ideia da brincadeira e suas implicações mais amplas para a psique humana, disse ele: “O humor “é um meio de obter prazer, apesar dos afetos dolorosos que interferem com ele; atua como um substitutivo para a liberação destes afetos, coloca-se no lugar deles (…) O prazer do humor(…) procede de uma economia na despesa do afeto, ao custo de uma liberação de afeto que não ocorre”(…). A natureza do sentimento economizado a favor do humor pode ser compaixão, raiva, dor, ternura, etc., humor úmido, humor do sorriso entre lágrimas. E é assim que muitas vezes nós fazemos, brincamos dizendo coisas sérias, até mesmo através de uma piada.”
Enquanto se dedicava na escrita dessa obra, Freud começou ao mesmo tempo sua outra obra a Interpretação dos sonhos, vindo a ser publicado em 1900, enquanto aquele, no mesmo ano da publicação dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905) e do Caso Dora (1901) e mantido na gaveta (na verdade, Freud só resolveu publicá-lo quando compreendeu o mecanismo da transferência e escreveu o Posfácio). Algumas concepções fundamentais dos Três Ensaios foram incorporadas à teoria dos chistes, como a do prazer preliminar, conceito relacionado à sexualidade infantil e à sexualidade perverso-polimorfa. Em 1905, os alicerces fundamentais da psicanálise já estavam estruturados na obra freudiana: inconsciente, aparelho psíquico, defesa, pulsão, objeto, sintoma, interpretação, transferência. E ainda, durante os primeiros anos do século XX, o criador da psicanálise procurou estudar a lógica do inconsciente e mostrar que ela está presente não apenas nos sonhos e sintomas, mas também na vida cotidiana, nos atos falhos, chistes e, um pouco mais tarde, nas práticas religiosas e na arte.
Interessante a vinculação entre o que é do infantil e o humor, bem como a oposição existente entre o brincar e a realidade, que Freud deixa claro quando disse: “Quando a criança cresce e para de brincar, após esforçar-se por algumas décadas para encarar as realidades da vida com a devida seriedade, pode colocar-se certo dia numa situação mental em que mais uma vez desaparece essa oposição entre o brincar e a realidade. Como adulto, pode refletir sobre a intensa seriedade com que realizava seus jogos na infância, equiparando suas ocupações do presente, aparentemente tão sérias, aos seus jogos de criança, pode livrar-se da pesada carga imposta pela vida e conquistar o intenso prazer proporcionado pelo humor.” (FREUD, 1908/1996).
É a partir de uma retomada daquilo que é da ordem do infantil que é possibilitado ao adulto – com a suspensão desta oposição entre o brincar e a realidade – o desfrute dos prazeres advindos do humor. É através da brincadeira com as palavras que podemos atingir o prazer inerente a uma tirada espirituosa, ouvindo-a ou criando-a.
O QUE SÃO OS CHISTES
Para Sigmund Freud, o chiste é muito mais do que um modo engenhoso ou simpático de pensar a realidade. Freud diferencia o humor, o cômico e o chiste. Segundo Freud, o humor necessita de apenas uma pessoa; por exemplo, quando rimos de nossa própria incapacidade, descoordenação motora, destino… Já o cômico envolve duas pessoas, sendo risível enquanto objeto a própria pessoa ou a outra; está relacionado à dimensão do imaginário, mais especificamente à queda da imagem; daí a tendência a rirmos da escorregadela de um indivíduo que se apresenta aprumado, elegante, harmonioso e cujos olhos apontam para o horizonte; por sua vez, a queda de uma senhora idosa, já claudicante, não nos inclina a uma galhofa. Por outro lado, o chiste, a tirada espirituosa, requer três pessoas: além da que faz o chiste, deve haver uma segunda que é tomada como objeto da agressividade hostil ou sexual e uma terceira na qual se cumpre o objetivo do chiste de produzir prazer” (FREUD, 1905/1996). Vejamos.
1) a que faz o chiste;
2) a que se toma como objeto da hostilidade do chiste;
3) a terceira, “na qual se cumpre o objetivo do chiste de produzir prazer”.
Se permutássemos a segunda com a terceira pessoa, ser-nos-ia permitido dizer que se trata das clássicas três pessoas do discurso:
1) a que fala;
2) a com quem se fala;
3) a de quem se fala.
Freud considerou o chiste “a mais social de todas as funções psíquicas cuja finalidade é obter prazer. Portanto, deve respeitar a condição de in-teligibilidade; pode empregar a distorção, a qual se torna praticável no inconsciente através da condensação e do deslocamento, em grau não superior àquele em que possa ser decifrado pela inteligência da terceira pessoa”.
Os fundamentos do chiste são essencial¬mente os mesmos de tantos outros fenômenos psíquicos, mas, geralmente, o chiste não é uma manifestação de morbidez, como tampouco o são os atos falhos, lapsus linguae, lapsus calami etc. Não há distúrbios noológicos nem síndromes em que o chiste ocupe a posição de anor¬malidade, na acepção geral do termo. É certo que o chiste se manifesta em certas condições clínicas, mas a sua importância para o quadro clínico total é geralmente insignificante.
Do ponto de vista do esclarecimento teórico sobre a natureza do chiste, os chistes inocentes serão necessariamente mais valiosos para nós que os tendenciosos, tanto quanto os triviais o serão mais que os chistes profundos. Os chistes inocentes e triviais colocam-nos provavelmente o problema do chiste em sua forma mais pura, já que com eles evitamos o perigo de ser confundidos por seu propósito ou equivocados em nosso julgamento por seu bom senso. Freud exemplificou assim o mais possível inocente, de um chiste verbal:
“Ao fim de uma refeição da qual eu participava como convidado, foi servido um pudim do tipo conhecido como ‘‘Roula‘’. Prepará-lo requer alguma habilidade por parte do cozinheiro. Portanto, um dos convidados perguntou: ‘‘Feito em casa?’’ Ao que respondeu o anfitrião: ‘‘Sim. É um home-roulard!.” Os presente à mesa então ririam”, afirmou ele.
Freud considerou que neste exemplo, como em outros, o sentimento de prazer do ouvinte não decorre do propósito do chiste nem de seu conteúdo intelectual; nada nos resta portanto senão colocar em conexão o sentimento de prazer com a técnica do chiste. Os métodos técnicos do chiste que já descrevemos anteriormente — condensação, deslocamento, representação indireta etc. — possuem assim o poder de evocar um sentimento de prazer no ouvinte, embora possamos não ter a mínima idéia de como terão adquirido tal poder. Dessa maneira simples, Freud considera uma segunda tese ao classificar os chistes; a primeira asseverava que a característica dos chistes consiste em sua forma de expressão. Ele nos lembra que quando conseguíamos reduzir um chiste (pela substituição de sua forma de expressão por outra, que preservava cuidadosamente seu sentido) este perdia não apenas seu caráter de chiste como também seu poder de nos fazer rir — nossa fruição do chiste.
A pouca relevância dada ao chiste não se justifica, visto que, em termos psicanalíticos, ele foi conceituado como uma das formações do inconsciente, ao lado dos sonhos, dos sintomas e dos atos falhos. Esse parentesco próximo com conceitos psicanalíticos tão potentes, sobretudo os dois primeiros, poderia nos fazer pensar que o chiste tem seu brilho ofuscado em virtude de seus irmãos mais famosos. A posição central que sonhos e sintomas têm na teoria psicanalítica – e em menor escala os atos falhos – por si só, não nos parece motivo suficiente para também abandonarmos esse texto freudiano. Ao contrário, é justamente esse vilipêndio, esse papel secundário que os chistes têm na produção acadêmica que nos move em direção a ele.
Freud ainda considera que o chiste pode ser como um “jogo desen-volvido” em que se procura “ganhar uma pe¬quena dose de prazer à custa das atividades livres e sem obstáculos do nosso aparelho psí¬quico e, mais tarde, apoderar-se desse prazer como um ganho casual”. Ainda segundo Freud, o prazer do chiste origina-se “numa econo¬mia de gasto de inibição; o cômico decorrer de uma economia de gasto de pensamento; ao passo que o humor se origina numa economia de gasto de sentimento”.
O chiste é breve, e é nele que reside, por assim dizer, a graça. E pode ajudar a descarregar uma agressividade que tem de ser reprimida. O chiste funciona, isto é, provoca hilaridade ou riso, por meio da brevidade que se expressa com a condensação: dois campos de significados se fundem, causando surpresa.
Freud disse: “Muitos de meus pacientes neuróticos, sob tratamento psicanalítico, demonstram regularmente o hábito de confirmar algum fato pelo riso quando consigo dar-lhes um quadro fiel de seu inconsciente, ocultado à percepção consciente; riem mesmo quando o conteúdo desvelado não justifica absolutamente o riso. Tal fato sujeita-se, naturalmente, a uma aproximação do material inconsciente, íntima bastante para captá-lo, depois que o médico o detecta e o apresenta a ele.” (FREUD)
OS CHISTES NA VIDA DE FREUD
Em 1938, na época de deixar a Áustria dominada então pelo nazismo, após a prisão e interrogatório de sua filha Anna, Freud foi obrigado a assinar um documento para a Gestapo dizendo que não havia sofrido maus-tratos. Após assiná-lo, ele acrescentou de próprio punho: “Posso recomendar altamente a Gestapo a todos”. Esta tirada de humor foi, no início, interpretada por Gay como uma tentativa inconsciente de suicídio, uma vez que a ousadia do médico vienense punha em risco sua própria vida, caso as autoridades nazistas reconhecessem ali uma fina ironia. Mas, num segundo tempo, o mesmo Gay reconhece que esta atitude demonstrava uma grande coragem e vitalidade de Freud e “seu senso de humor irreprimível”. Esta ambiguidade, que aponta tanto para a vida como para a morte, revela a ambivalência e o paradoxo próprios do registro do tragicômico e do humor negro, nesta estranha proximidade da angústia e do riso ou de como o humor pode ser um último véu a cobrir e descobrir o horror. É famoso o chiste de humor negro escrito por Freud, o do condenado à morte que numa segunda-feira pela manhã, ao ser levado para execução, comenta: “É, a semana está começando otimamente”. É o humor enquanto afirmação do desejo diante da adversidade e da morte. Humor lúcido e trágico, ao mesmo tempo triunfal, alegre, ou seja, o humor freudiano, em sua associação íntima com a morte, é tragicômico.
Alguns episódios da vida de Freud, especialmente na sua velhice, quando – acometido por um câncer de mandíbula que lhe causava muito sofrimento – assistia ao advento do nazismo na Europa, demonstram este fino humor. Em maio de 1933, ao saber que seus livros estavam incluídos nos que seriam queimados em praças públicas das cidades alemãs e nos campi universitários, fez o seguinte comentário: “Que progressos estamos fazendo. Na Idade Média, teriam queimado a mim; hoje em dia, eles se contentam em queimar meus livros”.
Em uma outra situação em que conversava com o jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926, Freud disse: “Setenta anos de existência ensinaram-me a aceitar a vida com alegre humildade (…) Não gosto de meu palato artificial, porque a luta para mantê-lo em função consome minha energia. Prefiro, entretanto, um palato postiço a nenhum; ainda prefiro a existência à extinção… Não sou pessimista, não permito que nenhuma reflexão filosófica me faça perder o gozo das coisas simples da vida”. Sábias palavras de alguém que, apesar dos sofrimentos pelos quais passou, ainda amava a vida e pode expressar, aos 71 anos, a sua criatividade e escrever sobre o valioso dom do humor para aliviar as dores da existência, pois só através dele é possível divertir-se no infortúnio. O humor permite a inscrição da intensidade pulsional no universo das representações, ainda que em situações-limite. Permite que o sujeito afirme seu desejo contra a pulsão de morte que o habita.
A PARTE ANALÍTICA
O CHISTE NA CENA ANALÍTICA
De acordo com Lipps (1898), um chiste é “algo cômico de um ponto de vista inteiramente subjetivo”, isto é, ‘algo que nós produzimos, que se liga a nossa atitude como tal, e diante de que mantemos sempre uma relação de sujeito, nunca de objeto, nem mesmo objeto voluntário.
Lipps define chiste como: “algo cômico de um ponto de vista inteiramente subjetivo, algo que nós produzimos, que se liga a nossa atitude como tal, e diante de que mantemos sempre uma relação de sujeito (…)”.
O fator de “desconcerto e esclarecimento” leva-nos também a aprofundar o problema da relação entre o chiste e o cômico. Kant fala-nos que o cômico em geral tem a notável característica de ser capaz de enganar-nos apenas por um instante. O efeito cômico é produzido pela solução desse desconcerto através da compreensão da palavra. Lipps (1898) acrescenta que o primeiro estágio do esclarecimento — que a palavra desconcertante signifique isto ou aquilo — é seguido de um segundo estágio, no qual percebemos que a palavra sem sentido que nos havia ‘confundido’, nos mostra então o sentido verdadeiro. É apenas esse segundo esclarecimento, essa descoberta de que uma palavra sem sentido, conforme o uso linguístico normal, é a responsável por todo o processo — essa solução do problema no nada —, é apenas esse segundo esclarecimento que produz o efeito cômico. Nessa conexão, a abordagem por Lipps da brevidade dos chistes é significativa: “Um chiste diz o que tem a dizer, nem sempre em poucas palavras, mas sempre em palavras poucas demais, isto é, em palavras que são insuficientes do ponto de vista da estrita lógica ou dos modos usuais de pensamento e de expressão. Pode-se mesmo dizer tudo o que se tem a dizer nada dizendo”.
Já sabemos, pela conexão dos chistes com a caricatura, que eles “devem apresentar alguma coisa ocultada ou escondida” (Fischer, 1889). Uma vez mais enfatizo esse determinante, porque ele tem também mais a ver com a natureza dos chistes do que com a parte cômica destes.
Ao investigar a técnica de formação de um chiste identifica a prevalência dos processos de condensação e deslocamento na sua elaboração, o que o leva a uma analogia entre a técnica dos chistes e a elaboração onírica, visto que há semelhanças em ambos os processos. O laconismo inerente às tiradas de espírito e seu deslize de sentido de uma ideia para outra são indispensáveis na construção de um chiste. Freud é claro sobre esses processos envolvidos nos chistes e a, consequente, analogia com os processos oníricos. Em suas palavras ele disse: “(…) os interessantes processos de condensação acompanhados de formação de substitutos, reconhecidos como o núcleo da técnica dos chistes verbais, apontam para a formação dos sonhos, em cujo mecanismo tem-se descoberto os mesmos processos psíquicos. Isso vale igualmente, entretanto, para as técnicas de chistes conceptuais – deslocamento, raciocínio falho, absurdo, representação pelo oposto – que reapareceu, cada um e todos, na técnica de elaboração dos sonhos.” (FREUD)
Freud ressalta que o sentimento de prazer do ouvinte não decorre do propósito do chiste nem de seu conteúdo intelectual; nada nos resta, portanto, senão colocar em conexão o sentimento de prazer com a técnica do chiste. Os métodos técnicos do chiste (…) possuem assim o poder de evocar um sentimento de prazer no ouvinte, embora possamos não ter a mínima ideia de como terão adquirido tal poder.
A TÉCNICA DOS CHISTES
A propósito da redução, Freud diz que para descobrir a técnica (do) chiste, é necessário aplicar a ele o procedimento de redução que anula o chiste mudando a expressão e, para isso, introduz novamente o sentido original completo, tal como pode ser inferido com segurança de um bom chiste. Ele defende seis técnicas que caracterizam os chistes:
– condensação: é a fusão de duas palavras ou conceitos em um, gerando um equívoco potencialmente divertido. Como alguém diz: “Pare de fumar” e o outro responde: Eu sou um especialista em parar de fumar, já fiz isso oito vezes.”
– deslocamento: quando o sentido de algo é transferido para outra coisa. Vejamos um exemplo. “Você sabia que o Corinthians quer que o goleiro se case? Alguém pergunta: Por quê? Porque eles querem celebrar logo.”
– duplo sentido: quando a mesma palavra é usada com um significado diferente. Como neste caso: “É melhor dá do que receber. Sinceramente, o boxeador.”
– uso do mesmo material: uso das mesmas palavras ou expressões para gerar um novo significado. Exemplo: Como você está? – o cego perguntou ao paralítico. “Como você está vendo.”, o paralítico respondeu ao homem cego.
– retrucar ou chiste de semelhança: é um jogo de palavras em que uma palavra se refere a outra. Exemplo: “O sexo é sempre melhor com o cérebro do que sem ele.”
– representações antinômica: faz-se uma afirmação que é negada em seguida. Como neste caso: “Ele não apenas não acreditava em fantasmas, mas nem se assustava com ele.”
Essa variedade e esse número de técnicas têm um efeito desconcertante. Pode fazer-nos sentir perturbados por nos devotarmos à consideração dos métodos técnicos dos chistes, tanto como pode despertar-nos a suspeita de que afinal exageramos a importância destes como meio de descobrir a natureza essencial dos chistes.
Já entramos em contato com um tão grande número de diferentes técnicas de chiste. São elas:
I – Condensação:
(a) com formação de palavra composta;
(b) com modificação.
II – Múltiplo uso do mesmo material:
(c) como um todo e suas partes;
(d) em ordem diferente;
(e) com leve modificação;
(f) com sentido pleno e sentido esvaziado.
III – Duplo sentido:
(g) significado como um nome e como uma coisa;
(h) significados metafóricos e literal;
(i) duplo sentido propriamente dito (jogo de palavras);
(j) double entendre;
(k) duplo sentido com uma alusão.
OS PROPÓSITOS DOS CHISTES
Freud subdivide no capítulo III de sua obra em curso os chistes em inocentes e tendenciosos, classificação que diz respeito à reação produzida no ouvinte, decorrente de alguns (inocentes) não apresentarem objetivo fora de si mesmos e outros (tendenciosos) servirem a um propósito, e revela nova dicotomia entre chistes triviais e chistes profundos. Aos chistes tendenciosos, acrescenta ainda dois propósitos: “Ou será um chiste hostil (servindo ao propósito de agressividade, sátira ou defesa) ou um chiste obsceno (servindo ao propósito de desnudamento)”.
Os métodos técnicos do chiste (…) possuem o poder de evocar um sentimento de prazer no ouvinte, embora possamos não ter a mínima idéia de como terão adquirido tal poder. Essa confissão, porém, não anula a certeza repetida ad nauseam de que a finalidade do chiste (como um tipo específico de texto sob a égide do humor) é provocar prazer. Com efeito, apenas para ilustrar esta asserção, diga-se que em três parágrafos consecutivos Freud cita quatro vezes esse objetivo: “possuem o poder de evocar um sentimento de prazer no ouvinte”, “contentando-nos na contemplação e na fruição da idéia”, “o propósito inequívoco de suscitar prazer”, “se trata de uma atividade que visa derivar prazer dos processos mentais, sejam intelectuais ou de outra espécie.
Quanto ao chiste obsceno cumpriria a função de desnudar o objeto do desejo pelo desnudamento verbal, não sendo desproposital a analogia de que a palavra é uma roupagem que reveste o significado.
Embora a dada altura de “Os Chistes…” seu autor reveja a classificação dos chistes inocentes, sugerindo revogar-se a distinção em relação aos chistes tendenciosos (já que todos o seriam), ele subdivide os últimos (tendenciosos) em obscenos e hostis. A respeito dos obscenos, diz tratar-se de um desnudamento da linguagem. Sobre os hostis, afirma serem substituto da agressão física. Ambos expressão da repressão, teriam na palavra fator de compensação. Os obscenos compensariam manifestações da sexualidade: compensa-se com o prazer da fala a falta do prazer do falo. Os hostis substituiriam os impulsos de agressividade, originados numa época em que a sociedade era diminuta e constituída dos membros do clã. Textualmente, diz: “(…) todas as regras morais para a restrição do ódio ativo fornecem até hoje a mais nítida evidência de que foram originalmente moldadas para uma pequena sociedade dos membros de um clã”. O chiste tendencioso hostil torna “nosso inimigo pequeno, inferior, desprezível ou cômico” e “conseguimos, por linhas transversas, o prazer de vencê-lo — fato que a terceira pessoa, que não despendeu nenhum esforço, testemunha por seu riso” (…) “Ademais, subornará o ouvinte com sua produção de prazer, fazendo com que ele se alinhe conosco sem uma investigação mais detida, exatamente como em outras frequentes ocasiões fomos subornados por um chiste inocente que nos levou a superestimar a substância de uma afirmação expressa chistosamente”.
Os propósitos dos chistes podem facilmente ser passados em revista. Onde um chiste não tem objetivo em si mesmo — isto é, onde não é um chiste inocente — pode servir a apenas dois propósitos, que podem ser subsumidos sob um único rótulo. Ou será um chiste hostil (servindo ao propósito de agressividade, sátira ou defesa) ou um chiste obsceno (servindo ao propósito de desnudamento). Deve-se reiterar desde já que as espécies técnicas do chiste — verbal ou conceptual — não se relacionam com esses dois propósitos. É tarefa muito mais extensa mostrar o modo pelo qual o chiste serve a esses dois propósitos. Na investigação prefiro lidar primeiro não com os chistes hostis mas com os desnudadores. É verdade que estes têm sido muito mais raramente julgados dignos de investigação, como se a aversão com que se os encara já se tivesse transferido para a discussão. Mas não nos permitiremos estar desconcertados por isso, pois atacaremos imediatamente um caso marginal de chiste que promete nos trazer esclarecimento sobre mais um ponto obscuro.
PARTE SINTÉTICA
O MECANISMO DO PRAZER E A PSICOGÊNESE DOS CHISTES
Basicamente Freud considera dois os tipos de motivações que existem no chistes: o chiste inocente (mostrar ingenuidade) e o chiste tendencioso (motivado por um impulso hostil ou obsceno.
No chiste inocentes, o prazer e o riso vem exclusivamente da sagacidade implícita neles. Por outro lado, nos chistes tendenciosos o prazer viria de romper com uma forma de repressão. Dentro dos chistes tendenciosos estão incluídos as declarações satíricas, irônicas, com a intenção de ridicularizar o outro. Portanto, o conteúdo hostil ou obsceno nem sempre é grosseiro, mas é evidente, eles gerarem prazer naqueles que ouvem porque acreditam que supões a transgressão de uma norma frente a determinados assuntos ou figuras.
É muito comum que chistes tendenciosos sejam dirigidos a uma figura de poder, uma ideologia, um credo, um povo, uma raça, etc. Muitas vezes se manifestam em verdades que de outra forma não seriam ditas.
O chistes é um dos mecanismos para enfrentar a repressão social, cultural ou individual que gera desprazer ou neurose. Graças à história engraçada, parte dessa tensão que estaria implícita na repressão seria liberada. No fundo haveria uma ideia: se é engraçado para os outros é porque liberta de uma coerção. O riso é um meio de liberar a tensão emocional. É também desafio para o repressor. Nesse sentido, o chiste tendencioso e o riso cumprem um papel civilizador. Ao invés de atacar diretamente o outro, é usado um meio engenhoso de linguagem para expressar hostilidade. Em vez de quebrar os tabus do sexo através da perversão, isso seria feito por meio de um “chiste hostil” ou obsceno. Por tudo isso, para Freud o chiste é um meio de conhecer os desejos reprimidos de uma pessoa e de uma sociedade. Sobre seus tabus e tudo o que não é falado abertamente e, portanto, está de alguma forma banido da consideração consciente. Assim, esses chistes poderiam ter tudo a ver com o inconsciente, abrindo um caminho para conhecermos em profundidade a realidade subjetiva de uma pessoa e de uma cultura.
Podemos agora partir de um assegurado conhecimento das fontes do prazer peculiar que os chistes nos proporcionam. Estamos cientes de que podemos ser enganados ao confundir nossa fruição do conteúdo intelectual que é afirmado com o prazer próprio aos chistes; mas sabemos que o próprio prazer tem no fundo duas fontes — a técnica e os propósitos dos chistes.
OS MOTIVOS DOS CHISTES:
OS CHISTES COMO PROCESSO SOCIAL
Para Freud elaboração do chiste seja um excelente método de derivar prazer dos processos psíquicos, é, não obstante, evidente que nem todas as pessoas sejam capazes de utilizar tal método: a elaboração do chiste não está ao dispor de todos e apenas alguns dispõem dela consideravelmente. Devemos, portanto, presumir, nessas pessoas “espirituosas”, a presença de disposições especiais herdadas ou de determinantes psíquicos que permitem ou favorecem a elaboração do chiste.
Ele ainda considera que um impulso de contar o chiste a alguém está inextricavelmente ligado à elaboração do chiste; de fato, o impulso é tão forte que freqüentemente se processa a despeito de sérias apreensões. Também no caso do cômico, contá-lo a mais alguém produz prazer, mas a solicitação não é tão peremptória. Se alguém acha alguma coisa cômica, pode divertir-se consigo mesmo. Um chiste, pelo contrário, deve ser contado a alguém mais. O processo psíquico da construção de um chiste não parece terminado quando o chiste ocorre a alguém: permanece algo que procura, pela comunicação da idéia, levar o desconhecido processo de construção do chiste a uma conclusão.
Outros fatores subjetivos que determinam ou favorecem a elaboração do chiste estão menos envoltos na obscuridade. O motivo que força a produção de chistes inocentes é, não sem freqüência, uma ambiciosa vontade de mostrar a própria inteligência, exibir-se — um instinto que pode ser equiparado ao exibicionismo no campo sexual. A presença de numerosos instintos inibidos, cuja supressão reteve certo grau de instabilidade, fornecerá a disposição mais favorável à produção de chistes tendenciosos. Assim os componentes individuais da constituição sexual de uma pessoa podem, particularmente, aparecer como motivos para a construção de um chiste. Toda uma classe de chistes obscenos permite que se infira a presença de uma inclinação oculta ao exibicionismo em seus inventores; chistes tendenciosos agressivos têm melhor sorte com pessoas em cuja sexualidade é demonstrável um poderoso componente sádico, mais ou menos inibido na vida real, afirmou Freud.
O segundo fato que requer uma investigação da determinação subjetiva dos chistes é a experiência geralmente reconhecida de que ninguém se contenta em fazer um chiste apenas para si. Um impulso de contar o chiste a alguém está inextricavelmente ligado à elaboração do chiste; de fato, o impulso é tão forte que freqüentemente se processa a despeito de sérias apreensões. Também no caso do cômico, contá-lo a mais alguém produz prazer, mas a solicitação não é tão peremptória. O processo psíquico da construção de um chiste não parece terminado quando o chiste ocorre a alguém: permanece algo que procura, pela comunicação da idéia, levar o desconhecido processo de construção do chiste a uma conclusão.
Mesmo diante dessas posições, Freud dizia não poder adivinhar qual possa ser a base do impulso de comunicar o chiste. Mas sugere que é possível que a necessidade de comunicar o chiste a mais alguém esteja de algum modo conectada à gargalhada que pode produzir, gargalhada esta que “me é negada” mas que se manifesta em outra pessoa.
Segundo Freud, encontram-se no riso as condições sob as quais uma soma de energia psíquica, usada até então para a catexia, encontra livre descarga. E já que o riso — não todo o riso, é verdade, mas certamente o riso originário do chiste — é uma indicação de prazer, inclinamo-nos por relacionar este prazer com a suspensão da catexia que fora previamente apresentada.
Contudo, se aceitamos firmemente essa concepção dos determinantes do riso e do processo psíquico na terceira pessoa, estamos agora em condições de prover uma explicação satisfatória de toda uma classe de peculiaridades dos chistes que não têm sido bem compreendidas. Se uma cota da energia catéxica capaz de descarga vai ser liberada na terceira pessoa, há várias condições que devem ser preenchidas ou que seria desejável fazer operar como encorajamentos:
1) Deve ser assegurado que a terceira pessoa esteja realmente fazendo esta despesa catéxica.
2) É necessário evitar que a despesa catéxica, quando liberada, encontre algum outro uso psíquico em vez de se oferecer para a descarga motora.
3) É muito vantajoso que a catexia liberada na terceira pessoa seja previamente intensificada, elevada a uma maior altura. Todos esses objetivos são servidos por métodos particulares de elaboração do chiste, que podem ser classificados como técnicas auxiliares ou secundárias:
– A primeira destas condições constitui-se em uma das qualificações necessárias à terceira pessoa enquanto ouvinte do chiste. É essencial que esta esteja em suficiente acordo psíquico com a primeira pessoa quanto a possuir as mesmas inibições internas, superadas nesta última pela elaboração do chiste.
– A segunda condição que possibilita a livre descarga: fornece a explicação teórica da incerteza quanto ao efeito dos chistes quando os pensamentos expressos pelo chiste suscitam no ouvinte idéias poderosamente excitantes; neste caso, a concordância ou discordância entre os propósitos do chiste e o círculo de pensamentos dominante no ouvinte decidirá se a sua atenção permanecerá no processo chistoso ou lhe será retirada.
– Em terceiro lugar os métodos técnicos auxiliares de elaboração do chiste, calculados para aumentar a cota que obtém a descarga, intensificando assim o efeito do chiste. Em sua maior parte, aumentam também a atenção que é prestada ao chiste, mas tornam esse efeito inócuo, uma vez mais, pela simultânea retenção e inibição de sua mobilidade.
Consequentemente, contar meu chiste a outra pessoa serviria a vários propósitos: primeiro, dar-me a certeza objetiva de que a elaboração do chiste foi bem-sucedida; segundo, completar meu próprio prazer pela reação que provoco na outra pessoa; terceiro — onde entra a questão da repetição de um chiste que não foi produzido pelo próprio narrador — compensar-se da perda de prazer causada pela falta de novidade do chiste.
PARTE TEÓRICA
A RELAÇÃO DOS CHISTES COM OS SONHOS E O INCONSCIENTE
Freud afirma que um sonho é aquilo que, via de regra, se parece a uma
lembrança fragmentária que nos ocorre depois de despertar. Tal lembrança aparece como uma miscelânea de impressões sensoriais, principalmente visuais mas também de outros tipos, que simula uma experiência e à qual podem ser misturados processos de pensamentos e expressões de afeto. Freud chamou essas expressões de conteúdo manifesto do sonho mesmo em sonhos bastante coerente, como no caso de alguns sonhos de ansiedade, que confronta nossa vida mental com algo diferente, cuja origem não podemos explicar de nenhuma maneira. Freud ainda chamou de “estranho conteúdo ‘manifesto” dos sonhos o que pode ser tornado regularmente inteligível como sendo a transcrição mutilada e alterada das estruturas psíquicas racionais, que merecem o nome de ‘pensamentos oníricos latentes‘. Chegamos ao conhecimento destes dividindo o conteúdo manifesto do sonho em seus componentes, sem considerar qualquer sentido aparente que possam ter (como um todo) e seguindo então os fios de associação que procedem de cada um dos elementos agora isolados. Freud pesquisava nos próprios sonhos a explicação dessas características o que ele considerava indicações de uma atividade dos elementos nervosos desordenada, dissociada e, como que, “adormecida”.
Os chistes, atos falhos e sonhos então conseguem burlar a censura, passam entre a forte barreira armada entre o consciente e o inconsciente. O chiste serve então para produzir algum tipo de prazer ao sujeito, enquanto os sonhos expressam os reais desejos. Lembrando que os sonhos são compostos de conteúdo latente e manifesto que se condensam e formam imagens menos doloridas para que possamos lembrar e burlar o recalque. Já os sonhos ruins, os chamados pesadelos, são avisos de que determinado assunto deve ser resolvido com urgência, como prioridade.
Freud considerava três estágios a ser distinguidos na formação de um sonho: primeiro, o transplante dos resíduos diurnos pré-conscientes ao inconsciente, no qual devem operar as condições que governam o estado de sono; depois, dá-se a elaboração onírica propriamente dita no inconsciente; e em terceiro lugar, a regressão do material onírico, assim revisto, à percepção onde o sonho se torna consciente.
Os chistes podem ser explicados como uma espécie de válvula de escape encontrada pelo inconsciente de realizar algum tipo de manifestação, uma explosão. Estas manifestações acontecem normalmente em forma de sonhos e atos falhos, ou seja, expressar um desejo em tom de brincadeira, dizer o que realmente está querendo, porém, não ser direto, para assim, evitar o julgamento e a negação/ privação de tal desejo.
Freud afirma em sua obra em discussão que entre as técnicas comuns aos chistes e aos sonhos, a representação pelo oposto e o uso do nonsense reclamam alguma parte de nosso interesse. Na representação pelo oposto agradeça o favor de que desfruta ao fato de constituir o núcleo de uma outra gratificante forma de expressão de um pensamento, a qual pode ser entendida sem qualquer necessidade de remissão ao inconsciente. Quanto ao nonsense, o absurdo, que aparece com tanta freqüência nos sonhos, condenando-os a desprezo tão imerecido, nunca ocorre por acaso através da mesclagem dos elementos ideacionais, podendo sempre demonstrar sua admissão intencional pela elaboração onírica, cabendo-lhes representar nos pensamentos oníricos a crítica amargurada e a contradição desdenhosa. Assim o absurdo no conteúdo dos sonhos assume o lugar do julgamento ‘isto é apenas nonsense‘ nos pensamentos oníricos.
Com respeito à associação, Freud afirma que os chistes apresentam também um comportamento especial. Freqüentemente não estão disponíveis em nossa memória quando precisamos deles; mas de outras vezes aparecem, como que involuntariamente, em pontos no nosso curso de pensamentos onde não vemos sua relevância. Estas são, novamente, apenas pequenas características indicativas de sua origem no inconsciente.
O inconsciente do sujeito é subjetivo, cada sujeito é único e não pode ser comparado ao outro, é necessário avaliar a história de vida individual para que, por exemplo, possa analisar um sonho, outro tipo comum de manifestação dos chistes. Dois sujeitos podem ter sonhos praticamente idênticos, porém, para cada um, conforme sua vivência passada e atual, terá um significado para ele.
Freud formulou algumas características dos chistes, que diz respeito a sua formação no inconsciente. Para Freud no processo de condensação alguns dos elementos a ele submetidos se percam, enquanto outros, que extraem energia catéxica dos primeiros, sejam intensificados através da condensação. Assim, a brevidade dos chistes, como a dos sonhos, seria uma necessidade concomitante das condensações que ocorrem em ambos — sendo nos dois casos uma consequência do processo da condensação. Essa origem explicaria também o caráter especial da brevidade dos chistes que não pode ser ulteriormente definida, mas que é sentida como surpreendente.
Na obra a Interpretação dos Sonhos, Freud relata que tentou lançar luz sobre o que havia de enigmático nos sonhos, estabelecendo-os como derivativos de nosso funcionamento mental normal. Na ocasião em que escrevia essa obra, ele relata ter que contrastar o manifesto, e freqüentemente estranho, conteúdo do sonho com os pensamentos oníricos latentes, que são perfeitamente lógicos e dos quais o sonho é derivado; disse ele: “Meti-me na investigação dos processos que fazem surgir o sonho a partir dos pensamentos oníricos latentes, tanto quanto das forças psíquicas envolvidas nessa transformação.” Freud deu a isso nome de “elaboração onírica” à totalidade desses processos transformadores e descreveu-os como integrante dessa elaboração onírica um processo de condensação que mostra a maior similaridade com aquele constatado na técnica dos chistes — que, da mesma forma, leva à abreviação, e cria formações de substitutos da mesma natureza. Todos estão acostumados, pela recordação de seus próprios sonhos, com as estruturas compostas, tanto de pessoas como de coisas, que emergem nos sonhos. E assim, concluiu Freud dizendo: “Os chistes, por outro lado, procuram obter uma pequena produção de prazer da simples atividade de nosso aparato mental, desimpedida de qualquer necessidade. Mais tarde, tentam apoderar-se daquele prazer como produto derivado durante a atividade do aparato mental e assim chegam secundariamente a funções, não sem importância, dirigidas ao mundo exterior. Os sonhos servem predominantemente para evitar o desprazer, os chistes, para a consecução do prazer; mas para estas duas finalidades convergem todas as nossas atividades mentais.”
OS CHISTES E AS ESPÉCIES DO CÔMICO
Em sua obra em questão Freud afirma que o cômico se comporta diferentemente dos chistes. Para Freud podemos considerá-la com duas pessoas: a primeira que constata o cômico e a segunda(pode estar ausente, exceto quando se trata de um chiste tendencioso, agressivo) em quem se constata. A terceira pessoa(indispensável para a completação do processo de produção de prazer), a quem se conta a coisa cômica, intensifica o processo, mas nada lhe acrescenta, disse ele. Freud ainda afirma que um chiste se faz, o cômico se constata — antes de tudo, nas pessoas; apenas por uma transferência subsequente, nas coisas, situações etc.
Freud considera que os chistes podem eventualmente reabrir fontes do cômico tornadas inacessíveis e que o cômico frequentemente serve como fachada ao chiste, substituindo o prazer preliminar que, de outro modo, seria produzido pela técnica conhecida, mas não podemos considerar que sejam muito simples as relações entre chistes e cômico, pois segundo ele, o cômico têm-se comprovado complicados e infrutíferos.
O ingênuo é o tipo de cômico mais próximo dos chistes, pois como o cômico em geral, o ingênuo é “constatado” e não “produzido”, como o chiste. Ocorrendo quando alguém desrespeita completamente uma inibição, inexistente em si mesmo — portanto, quando parece vencê-la sem nenhum esforço. É uma condição para a produção do efeito do ingênuo que saibamos que a pessoa envolvida não possui tal inibição; de outro modo, ela não seria ingênua mas imprudente. O que consta nas afirmações de Freud, o ingênuo é mais comum nas crianças, sendo depois reservado a adultos não instruídos, que podemos considerar infantis no que se refere ao seu desenvolvimento intelectual. Importante lembrar que comentários ingênuos são, naturalmente, mais adequados a uma comparação com os chistes do que as atitudes ingênuas, já que é através de comentários e não de ações que os chistes usualmente se exprimem.
Quanto ao processo psíquico, Freud afirma ser mais complicado no ingênuo, sendo ele na pessoa receptora, é simplificado na pessoa produtora comparativamente aos chistes. O caso do ingênuo, incidentalmente, nosso próprio eu invariavelmente coincide com a pessoa receptora, enquanto no caso dos chistes podemos igualmente ocupar a posição de produtores. Quando a pessoa receptora ouve algo ingênuo, isto deve afetá-la por um lado como se fosse um chiste.
Portanto, o ingênuo seria, então, uma espécie do cômico já que seu prazer nasce da diferença da despesa originária da tentativa de compreender alguém mais; aproximar-se-ia do chiste ao sujeitar-se à condição de que a despesa economizada deva ser uma despesa inibitória.
Podemos constatar o cômico nas pessoas em seus movimentos, formas, atitudes e traços de caráter, originalmente, com toda probabilidade, apenas em suas características físicas mas, depois, também nas mentais ou naquilo em que estas possam se manifestar. Através de um tipo muito comum de personificação, também os animais, e as coisas inanimadas, tornam-se cômicos. Ao mesmo tempo, o cômico é capaz de ser destacado das pessoas, na medida em que reconheçamos as condições sob quais uma pessoa parece cômica. Desta forma manifesta-se o cômico, e este reconhecimento propicia a possibilidade de fazer uma pessoa cômica bastando que se a coloque em situações nas quais suas atitudes estejam sujeitas a condições cômicas. A descoberta de que se tem o poder de tornar cômico alguém mais abre caminho a insuspeitadas produções de prazer cômico e origina uma técnica altamente desenvolvida. É possível tornar-se a si próprio cômico tão facilmente quanto a outras pessoas. Os métodos que servem para tornar as pessoas cômicas são: colocá-las em uma situação cômica, o disfarce, o desmascaramento, a caricatura, a paródia, o travestismo etc. É óbvio que todas estas técnicas podem ser usadas para servir a propósitos hostis e agressivos. Pode-se fazer uma pessoa cômica para torná-la desprezível, para privá-la de sua reivindicação de dignidade e autoridade. Mas ainda que tal intenção seja subjacente a todo esforço de tornar uma pessoa cômica, não é este necessariamente o sentido do cômico espontâneo.
Freud ainda afirma que o cômico encontrado nas características intelectuais e mentais de outra pessoa é também, evidentemente, o resultado de uma comparação entre essa pessoa e meu próprio eu, embora, bastante curiosamente, essa comparação produza, via de regra, um resultado oposto àquele no caso de um movimento ou ação cômica.
Quanto ao efeito encontrado depende, portanto, da diferença entre as duas despesas catéxica, disse Freud — a própria e a da pessoa, estimada por empatia — e não daquilo que, nas duas, favoreça a diferença. Mas essa peculiaridade, que à primeira vista confunde nosso juízo, se desvanece quando pensamos que a restrição de nosso trabalho muscular e o aumento de nosso trabalho intelectual se adequam com o curso de nosso desenvolvimento pessoal em direção a um nível de civilização mais alto.
Neste caso, as características da pessoa que proporciona o efeito cômico não desempenham uma parte essencial: rimos ainda que tenhamos de confessar que nós teríamos feito o mesmo em uma situação igual. Estamos aqui extraindo o cômico da relação dos seres humanos com o freqüentemente todo-poderoso mundo externo; na medida em que processos mentais de um ser humano estão envolvidos, esse mundo externo compreende também as convenções e necessidades sociais e mesmo nossas próprias necessidades corporais.
A outra fonte do cômico, que constatamos na transformação de nossa própria catexia, consiste em nossas relações com o futuro, que costumamos antecipar com nossas idéias expectantes. Assumo que uma despesa, quantitativamente definida, subjaz a cada uma de nossas idéias — uma despesa que, no caso de um desapontamento, é diminuída por uma diferença definida.
CONCLUSÃO
Nessa obra, Freud trata da análise psicanalítica do humor, utilizando o espírito metódico característico. A partir dessa análise, ele conclui que elas têm a mesma função e origem que os sintomas neuróticos, os sonhos e os atos falhos. Ou seja, o chiste é também uma forma de expressão do inconsciente. As piadas, principalmente as tendenciosas, serviriam como uma forma de liberar determinados pensamentos inibidos.
Nessa obra, Freud chamou a atenção para o fato de que o cômico não foi objeto de muitos estudos até então. Nem na psicologia, nem na filosofia. Ainda hoje, o tema continua menos explorado do que poderia. Um dos aspectos que explicaria essa alta de interesse científico seria que grande parte do prazer envolvido na piada é inconsciente. Tanto para quem pratica quando para o receptor.
Em um primeiro momento, vemos o autor analisando alguns conceitos críticos para compreender porque a piada é engraçada para nós. Assim, ele analisa estilos de estrutura dos chistes, como aqueles baseados na fusão ou na modificação de palavras. Com isso, ele compreendeu que as intenções de cada um são elementos importantes para determinar qual estilo ou forma de chistes essa pessoa utilizará.
Freud salienta que o sofrimento humano é proveniente de três fontes distintas – primeira, do próprio corpo que está submetido ao declínio e a dissolução, isto é, a certeza da finitude corpórea; segunda, do mundo externo, entendendo este como sendo as forças da natureza que nos são impiedosas; e por fim, dos relacionamentos humanos, das trocas sociais.
O riso e o risível são expressões humanas importantes e, portanto, seria importante que o texto freudiano possa ser retomado em toda sua plenitude, uma vez que há estreita relação entre os chistes e o inconsciente, a qual pode ser estabelecida por meio de analogias com os processos de elaboração onírica ou por meio do processo civilizatório e suas relações com a sexualidade e a agressividade. Ainda, os chistes ocorrem no social e podem constituir-se como fontes riquíssimas de material para refletirmos sobre nossa sociedade e os sujeitos contemporâneos, uma vez que entendemos o sujeito como sendo constituído na interseção dos campos libidinal, histórico e social.
Ainda nessa obra, Freud discorre sobre três tipos de discursos humorísticos para entender o mecanismo que ocasiona o riso: o prazer do chiste nos pareceu proceder de um gasto de inibição economizado; o do cômico, de um gasto de representação (de investimento) economizado; e o do humor, de um gasto emocional economizado. Nesses três modos de trabalhar do nosso aparato psíquico, o prazer brota de uma economia; os três concordam no fato de constituírem métodos para reconquistar da atividade psíquica um prazer que se perdeu, na verdade, pelo próprio desenvolvimento dessa atividade.
Esses métodos para reconquistar prazer na atividade psíquica precisam de um ‘gatilho’ para gerar o riso, o que para muitos estudiosos está associado com a enunciação de algo inesperado, fora do contexto. Para explicar como ocorre um ‘gatilho’, Freud discorre sobre diversas técnicas usadas para desencadear o riso, as quais separa em técnicas verbais, que jogam com as palavras, e em intelectuais, que geram o deslocamento do pensamento.
Diante da angústia de castração, do desamparo e da solidão que nos rondam sem cessar, o humor nos indica uma saída corajosa e digna, uma disposição diante da vida que enfrenta a ação de thanatos afirmando uma vitória ainda que transitória de Eros, ousando criar e brincar, rindo dos infortúnios e da precariedade da nossa existência. Que diante da angústia de castração o eu não precise sempre recuar, mas seja capaz de rir do sofrimento, parece ser a lição que o humor nos ensina.
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