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“GRADIVA” DE WILHEN JENSEN – PSICANÁLISE

DELÍRIOS E SONHOS NA GRAVIDA DE JENSEN

SOBRE WILHEN JENSEN

Wilhen Jensen nasceu em 1837 na Alemanha e morreu em 1911 na cidade de Munique aos 74 anos. Jensen era um escritor e poeta alemão, filho natural de Swenn Hans Jensen (1795-1855), governante da cidade de Quiel e depois administrador (Landvogt) da ilha Germano-Danesa Sylt, que fora dos velhos patrícios da Frísia. Jensen era genro do jornalista e escritor Johann August Moritz Bruehl (1819-1877), também sogro do historiador e editor Eduard Heyck e avô do escritor poeta Hans Heyck. Depois de cursar estudos clássicos em Quiel e Lubeque, Jensen estudou medicina nas universidades de Quiel, Vurzburgo e Breslávia. Porém, veio a abandonar a profissão de médico pelas letras, passando alguns anos em estudos particulares para, depois, ir para Munique, onde se associou a outros literatos. Residiu em Stuttgart (1865-1869), por pouco tempo conduzindo o Schwabische Volks-Zeitung (Jornal do Povo Suábio), fazendo uma amizade de vida inteira com o escritor Wilhelm Raabe. Tornou-se editor em Flensburgo do Norddeutsche Zeitung (Jornal da Alemanha do Norte), retornando em 1872 a Quiel. Viveu de 1876 a 1888 em Friburgo em Brisgóvia e de 1808 até sua morte em Munique em St. Salvator. Jensen foi um dos mais férteis escritores alemães de ficção de sua época (final do século XIX), a era Bismarckiana, tendo escrito mais de 150 obras, das quais poucas, porém, caíram no gosto do público. Uma de suas obra “Gradiva” publicada em 1903, que influenciou a cultura europeia, sobretudo os povos surrealistas. Freud toma a literatura como uma espécie de testemunho do inconsciente e escreve no ano seguinte, em 1907, a sua obra: “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen”. Essa foi a primeira obra literária tomada por Freud para exemplificar o modo como o inconsciente atua em nossas vidas.

 

A OBRA: A GRADIVA

A Gradiva (detalhe do relevo das Aglaurides) Cidade do Vaticano, Museu Chiaramonti.

Nessa obra contagiante, Wilhen Jensen conta a história de Norbert Hanold, um jovem alemão e arqueólogo, que pela sua dinâmica mental apresentada por Jensen, talvez teria a idade entre os trinta anos, o jovem dedicava sua vida à arqueologia; à busca dos vestígios do passado clássico era algo que o fascinava e o consumia. Norbert era um jovem rapaz que não tinha um amor. Não há comentários na obra que fale sobre sua família, namorada, esposa ou amigos.
Em uma de suas viagens, o jovem rapaz encontra no museu romano Arqueológico Nacional de Nápoles uma peça em baixo-relevo que o impressionou de forma especial, levando-o a ficar totalmente obcecado pela escultura. Ele não pôde explicar a si mesmo o que havia nela que atraíra tanto sua atenção. Só sabia que fora atraído por algo e que desde aquele instante o efeito permanecera “inalterado”. Sua imaginação não cessava de se ocupar com a escultura. A peça é um baixo-relevo neoático romano, da primeira metade do século II, feito à maneira das obras gregas do século IV a.C. Fascinado pela peça, Hanold solicita de imediato uma réplica e a leva consigo de volta para casa. Pouco a pouco Norbert Hanold colocou todo o seu acervo de conhecimentos arqueológicos a serviço desta e de outras fantasias relativas ao modelo da escultura. A peça traz a imagem esculpida de uma mulher, de caminhar sutil e sedutor, em que um dos pés repousava no solo, enquanto o outro, já flexionado para o próximo passo, apoiava-se somente na ponta dos dedos, estando a planta e o calcanhar perpendiculares ao solo. Todo o despertar para a peça se deu a partir do caminhar que o artista de modo delicado e impressionante deixou marcado na escultura chamando a atenção do jovem arqueólogo. A escultura em pedra era modelada pelas cinzas do Vesúvio de 1600 anos, em que o artista esboçou um modelo em argila. Tal fascínio pela imagem, em especial pelos pés, despertou nele uma obsessão pela mulher e foi assim que ele passou a dar vida a peça, chamando-a de Gradiva (palavra do grego que significa a que caminha), inspirando-se no epíteto do deus da guerra dirigindo-se ao combate “Mars Gradivus” feminização de Gravidus, um dos epítetos do deus romano Marte, uma figura mitológica moderna.
O jovem rapaz parte então numa obsessão pela mulher esculpida, partindo da Alemanha para Pompeia em busca da mulher que ele considerada ser pompeiana, pois Norbert, logo pensou em sua fisionomia ser de traços gregos, e estava convencido de que a jovem tinha origem helênica. Imaginou-a filha de uma família nobre, de um patrício a serviço de Ceres (deusa do lar, do casamento e da agricultura), e pensou que ela estava a caminho do templo da deusa. Sua natureza tranquila e serena não combinava com a vida agitada das cidades grandes, então ele imaginou-a vivendo em Pompéia.
Tomado pela ansiedade que o consumia a cada momento em que pensava em Gradiva, consumido pelo delírio de que ela existia, Norbert entra num estado de paranoia que a neurociência chama de estado temporário de demência. Uma pessoa nesse estado tomado pela paixão age de forma compulsiva, obrigando a pensar de forma descontrolada pela mesma pessoa e motivada por esse desejo compulsivo, consumindo suas horas.
Em Pompeia à luz do sol escaldante do meio-dia nos passos que percorria pela cidade, Norbert observou cada mulher que encontrava no caminho, no desejo delirante de encontrar Gradiva, derrepente ele encontra o mesmo caminhar de sutileza e herotismo e pensa: “Como pode ela estar aqui se morreu há tanto tempo?” Tomado pelo estado de demência por consequência da paixão delirante que alimentava pela mulher, assim como qualquer outra pessoa na mesma situação, pois a paranoia de Norbert pode ser a de muitas outras pessoas, ele a procurava incansavelmente pelas ruas de Pompeia.
A mulher que chamou a atenção de Norbert pelas ruas de Pompeia se chamava Zoe Bertgang, filha de um arqueólogo que viajava à Pompeia para trabalhar nas ruínas da cidade. A moça logo percebe a insistência de Norbert ao observá-la e o jovem pressente o que está prestes a acontecer. De imediato, Zoe logo reconhece Norbert, seu “namoradinho de infância”, mas na ilusão do rapaz, ela é Gradiva, ilusão essa que logo será “desmascara” por Zoe. Ao perceber que ele não se lembrava dela, a moça resolve embarcar na ilusão dele. Aos poucos Zoe percebeu que Norbert estava em ilusões paranoicas e à medida que vai tendo certeza disso, leva à Hanold elementos que o leva a fazer rupturas entre a situação do passado e a atual situação em que o rapaz se encontra estabelecidas por fantasias, paranoias e delírios.
Chega então o momento favorável para ela ajudá-lo a uma reflexão, no lugar das confabulações, retirando-o do estado de delírio ao lhe revelar que ela é Zoe, sua “namoradinha de infância”.
Explicamos por que fazemos o que fazemos criando fábulas induzidas, muitas vezes, por conteúdos esquecidos que foram evocados durante alguma experiência do presente. Elaboramos essas histórias com grande confiança e sem a consciência de tê-las inventado quando tentamos explicar certas decisões que tomamos. O escritor alemão Wilhelm Jensen escreveu “Gradiva: uma fantasia pompeiana”, uma bela história para se entender esse fenômeno. Nela podemos também entender o que o analista pode fazer para conseguir tornar o paciente consciente dos devaneios responsáveis pelos seus atos.
A questão mais evidente dessa obra, a relação de “amor” entre Zoe Bertgang e Norbert Hanold cujo conflito é o delírio do rapaz, ajudou Freud a expor a teoria psicanalítica do amor como “transferência”. Mas há nas camadas mais arqueológicas de ambos os textos um problema não percebido por nenhum destes autores. Trata-se da formulação mesma da personagem de Zoe Bertgang que merece uma análise mais atenciosa relativamente ao fato de ser ela o personagem que está no cerne do delírio de Hanold, sendo seu operador radical.
No entanto, Norbert Hanold é muito mais do que um homem em delírio e que, por meio do amor pode se livrar dele. Em um nível mais profundo, ele é o representante do sujeito da cultura patriarcal que contrapõe à mulher concreta uma imagem idealizada. Assim Hanold vem nos mostrar, que o núcleo do sistema patriarcal é o de um delírio, de uma fantasmagoria que põe a mulher como mera imagem de si mesma enquanto essa imagem serve ao que, em termos biopolíticos, vem sendo chamado, desde Walter Benjamin, de “mera vida”.

A ANÁLISE DE SIGMUND DE FREUD

O romance de Jensen foi tema do famoso estudo de Sigmund Freud O delírio e os sonhos na Gradiva de Wilhen Jensen, de 1907 e inspirou vários surrealistas. Ao analisar o delírio de um jovem arqueólogo que se apaixona por uma moça retratada numa antiga escultura romana, Freud faz o primeiro estudo psicanalítico de uma obra literária.
Assim, Freud tem a possibilidade de demonstrar sua teoria do inconsciente, ilustrando-a com a limpidez da qual é capaz uma narrativa poética. Tratava-se aqui para Freud de recolher os achados do escritor e poeta, tornados possíveis pela especial aptidão do artista de se deixar perpassar pelos elementos que, estruturados como uma linguagem apontam para o inconsciente.
O segundo ensaio conta a história do “pequeno Hans”, um saudável garoto de cinco anos que repentinamente passa a ter fobia de cavalos. A partir do relato que o pai faz de conversas com o menino, Freud compreende os complexos por trás da fobia e obtém a cura do paciente.
O volume inclui também “Caráter e erotismo anal”, “Atos obsessivos e práticas religiosas”, “O escritor e a fantasia” e “O esclarecimento sexual das crianças”, entre outros.
Para tanto, tomamos enquanto fio condutor a obra freudiana Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1907). Freud afirma que, ao iniciar suas indagações acerca da origem dos distúrbios mentais ele não imaginou, sob qualquer circunstância, se valer das obras literárias como material para comprovação do seu método. É assim que, ao se deparar com Gradiva, uma fantasia pompeiana (1903), o austríaco é tomado por uma surpresa ao constatar que o material de Jensen se assemelha muito a um “estudo psiquiátrico”, estando de acordo com todo o conhecimento fundado através de suas pesquisas metapsicológicas (FREUD, 1996, p. 55). Isso porque o romance transmite um rico conhecimento acerca dos processos mentais e é sob essa perspectiva que Freud empreende sua análise da obra. Assim, Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen é um material singular para compreendermos a interlocução de Freud com a literatura. Além disso, trata-se do primeiro texto no qual o psicanalista efetua uma análise extensa e detalhada da obra de um poeta. Em um dos primeiros parágrafos ele deixa claro seu apreço pelos escritores criativos, pois para ele são aliados muito valiosos cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar. Estão bem diante de nós, gente comum, no conhecimento da mente, já que se nutrem em fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência (Freud, 1996, p. 20).
Em sua interpretação final do romance, Freud faz uma analogia entre o percurso de Hanold na sua busca por Gradiva e os caminhos possíveis de um sujeito em análise, como “modelo de cura pelo amor” (1907/1970, p.92). “Se no termo amor combinamos todos os diversos componentes da pulsão sexual”, Gradiva representa a figura do analista, suporte da fantasia de Hanold, o analisando. Estabelece três semelhanças a fim de justificar sua analogia, quais sejam: em ambos tratar-se-ia de tornar consciente o que foi recalcado, fazer coincidir esclarecimento e cura, e, principalmente, “a paixão que ressurge, seja ódio ou amor, invariavelmente escolhe como objeto a figura do médico”. Este, para Freud, é o ponto-limite para as semelhanças, posto que, ao contrário de Gradiva, o analista não deve corresponder ao amor tornado consciente, regra retomada por ele alguns anos depois nos ditos textos técnicos. A figura de Zoe-Gradiva representa na narrativa de Jensen sua mais refinada expressão: o veículo de retorno do recalcado é o mesmo que o originou. Nesse sentido, mesmo quando faz intervir o acaso, “a fuga é o instrumento mais seguro para se cair prisioneiro daquilo que se deseja evitar”.
Também no romance, é a partir da presença do sexual que se estabelece a possibilidade de reconhecimento. O relevo antigo despertara o erotismo de Hanold, mas só como atuais essas lembranças podiam adquirir operacionalidade ou, nas palavras de Freud, “foi uma antiguidade que arrancou nosso arqueólogo do seu afastamento do amor, advertindo-o a pagar a dívida que desde o nascimento pesa sobre nós”. Nesse momento, a questão do amor é central na problematização freudiana, a ponto de Freud declarar: “Todo tratamento analítico é uma tentativa de libertar amor reprimido que, na conciliação de um sintoma, encontrara escoamento insuficiente” (FREUD, 1907/1970, p.92).
Freud considera as regras abaixo como uma forma de como tratar o delírio histérico de Norbert: aceitar o delírio e não contradizê-lo; situar-se no mesmo plano da estrutura delirante; ser dócil à estrutura subjetiva; investigar o delírio o mais completamente possível porque o tratamento é a sua investigação, a investigação é o seu tratamento.
Freud chama a atenção de algo importantíssimo: não desprezar o poder curativo do amor contra o delírio. Não é a realidade x delírio; é a transferência x delírio.

A PSICANÁLISE E A DETERMINAÇÃO DOS FATOS NOS PROCESSOS JURÍDICOS (1906)

Na Conferência realizada por Sigmund Freud em 1906 apresentada aos acadêmicos e mestres de Direito da Universidade de Viena, ele expôs um esboço da teoria psicanalítica, onde falou sobre a possibilidade de utilização das “experiências de associação” nos depoimentos prestados perante os tribulais, pois essa poderia ser uma forma de ter fidedignidade nos depoimentos. Ao apresentar a todos, essa forma de reter depoimentos fidedignos, Freud também deixa claro que não há relatos de avanço nas tentativas realizadas usando essa técnica.
A natureza dessas experiências apresentadas nos trabalhos de Freud foram de fato induzidas na Psicologia de Wihelm Wundt de 1879 na Universidade de Leipzing, onde foi fundado o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental da História. Tais experiências consistia em apresentar ao indivíduo submetido à experiência uma série de palavras-estímulos que ele teria de responder a cada uma das palavras com uma outra palavra de forma rápida, onde eram observados detalhes como o tempo exigido para a reação e as relações que podem ser diversas, entre a palavra-estímulo e a palavra-reação. O que se considerou na experiência é a hipótese que a ligação entre ambas não era fruto do acaso, mas era determinadas por elementos presentes na mente do sujeito. O objetivo da experiência era obter acesso aos conteúdos que o indivíduo mantinha oculto.
Em seis páginas e inconcluso, esse Artigo de Freud apresenta nos últimos parágrafos seu interesse entre a área do conhecimento e a prática judicial ao mesmo tempo em que questiona a utilidade da área psicanalítica no campo judicial, pois o próprio Freud no início de sua carreira abandonou as experiências de associação com palavras pela associação livre. Portanto, pensar nas possibilidades de associação entre a Psicanálise e o Direito Penal, no que concerne à extração de verdades nos moldes do texto de Freud (1906) é antes de tudo pensar nos limites dessa relação, pois na escuta a atenção do analista não está voltada para algo específico, disse Freud: “O propósito da psicanálise é absolutamente uniforme em todos os casos: é preciso trazer à tona os complexos reprimidos por causa de sentimentos de desprazer e que produzem sinais de resistência ante as tentativas de levá-los à consciência.”. Sendo assim, seria inviável aplicar a escuta analítica, pois o sujeito se encontraria arraigado a uma posição defensiva: “O criminoso, ao contrário, não cooperará com o trabalho dos senhores; se o fizesse, estaria trabalhando contra todo o seu próprio ego.”, potencializada por traços que emanam não apenas da figura de autoridade do juiz, mas de toda a instituição e do processo jurídico. Freud define o inconsciente, como determinado e atemporal, acessível através dos sonhos, atos falhos, sintomas e chistes, o que tornaria inadequado aos procedimentos jurídicos para os quais é crucial a racionalização e a objetivação do discurso.
E com estas palavras Sigmund Freud conclui sua apresentação, dizendo: “É justamente devido à diversidade de situações que subjazem ao trabalho de investigação dos senhores, que a psicologia se interessa tão vivamente por seus resultados. Gostaria de pedir-lhes que não se desiludissem prematuramente de sua utilidade prática. Embora meu campo esteja muito afastado da prática judicial, talvez me permitam mais uma sugestão. Por mais indispensáveis que sejam essas experiências realizadas em seminários, tanto como uma preparação quanto como formulação de problemas, os senhores não poderão jamais reproduzir a mesma situação psicológica existente no interrogatório do acusado numa investigação criminal. Essas experiências serão simples exercícios simulados, e nunca poderão fundamentar uma aplicação prática em casos criminais. Se insistirmos em tentar essa aplicação, um outro caminho se nos apresenta: consigam que lhes seja permitido — ou mesmo imposto como um dever — realizar tais investigações, durante um certo número de anos, em cada processo criminal real, impedindo que os seus resultados venham a influenciar o veredicto do tribunal. Na verdade, seria preferível que o tribunal não fosse informado da conclusão inferida pelos senhores a partir da investigação relativa à questão da culpa do acusado. Após alguns anos de compilação e comparação dos resultados assim obtidos, quaisquer dúvidas sobre a utilidade desse método psicológico de investigação serão esclarecidas. Sei, naturalmente, que a concretização de semelhante proposta não depende somente dos senhores, nem de seus ilustres professores.”

ATOS OBSESSIVOS E PRÁTICAS RELIGIOSAS (1907)

Esse texto de Sigmund Freud de 1907 foi o que deu início a sua incursão na psicologia da religião e, como assinala na Seção V de seu outro texto “Uma Breve Descrição da Psicanálise”, essa publicação levou-o a um passo decisivo em direção a um tratamento mais extenso do assunto, cinco anos depois, em sua outra obra Totem e Tabu (1913). Em Atos Obsessivos e Práticas Religiosas, Freud examina a neurose obsessiva cerca de dez anos depois, onde fornece um esboço do mecanismo dos sintomas obsessivos que iria elaborar no caso clínico do ‘Rat Man’ (1909), cujo tratamento, entretanto, ainda não iniciara quando escreveu o presente trabalho.
Nesse texto Freud, afirma que, “As pessoas que praticam atos obsessivos ou cerimoniais pertencem à mesma classe das que sofrem de pensamento obsessivo, idéias obsessivas, impulsos obsessivos e afins. Isso, em conjunto, constitui uma entidade clínica especial, que comumente se denomina de ‘neurose obsessiva’ (Zwangsneuros).”, mas ele também ressalta que fenômenos mentais mórbidos podem possuir características “obsessivas”.
Freud considera que uma das condições da doença é o fato de que a pessoa que obedece a uma compulsão, o faz sem compreender o sentido — ou, pelo menos, o sentido principal, ela apenas o pratica. Esse fato importante pode ser expresso como um ato obsessivo que serve para expressar motivos e idéias inconscientes.
Para os atos cerimoniais considerados neuróticos eles precisam ter alterações nos atos cotidianos do sujeito, acrescidos de restrições ou arranjos praticados em ordem com variações regulares. É, também, amplamente divulgada pelo senso comum a idéia de que a religião está intimamente associada ao sentimento de culpa e é sabido, também, que a neurose obsessiva tem a culpa como um sentimento estruturante. O sujeito é incapaz de abandonar tais atos, pois afastar-se da ansiedade que o obriga a negar sua obsessão causa angústia e progressivamente o sentimento de culpa. Esse sentimento de culpa origina-se de certos eventos mentais primitivos, mas é constantemente revivido pelas repetidas tentações que resultavam de cada nova provocação.
Freud afirma que os portadores de atos obsessivos tem a capacidade de manter em particular e oculto seus atos sem que as pessoas o descubram, podendo isso, ser mantido por longos anos, podendo tal realidade já nos relatos de Freud ser mais superior do que é aqueles apresentados nos consultórios. E se torna fácil ocultar tais atos pela capacidade de manterem seus deveres sociais durante o dia, dedicando parte dessas horas às suas atividades ritualísticas longe dos olhares julgadores.
Mas Freud considera fácil perceber onde se encontram as semelhanças entre cerimoniais neuróticos e atos sagrados do ritual religioso. Em sua afirmação, ele diz: “(…) nos escrúpulos de consciência que a negligência dos mesmos acarreta, na completa exclusão de todos os outros atos (revelada na proibição de interrupções) e na extrema consciência com que são executados em todas as minúcias. Mas as diferenças são igualmente óbvias, e algumas tão gritantes que tornam qualquer comparação um sacrilégio: a grande diversidade individual dos atos cerimoniais [neuróticos] em oposição ao caráter estereotipado dos rituais (as orações, o curvar-se para o leste, etc.), o caráter privado dos primeiros em oposição ao caráter público e comunitário das práticas religiosas, e acima de tudo o fato de que, enquanto todas as minúcias do cerimonial religioso são significativas e possuem um sentido simbólico, as dos neuróticos parecem tolas e absurdas. Sob esse aspecto a neurose obsessiva parece uma caricatura, ao mesmo tempo cômica e triste, de uma religião particular, mas é justamente essa diferença decisiva entre o cerimonial neurótico e o religioso que desaparece quando penetramos, com o auxílio da técnica psicanalítica de investigação, no verdadeiro significado dos atos obsessivos.”
No decurso dessa investigação, dilui-se completamente o aspecto tolo e absurdo de que se revestem os atos obsessivos, sendo explicada a razão de tal aspecto. Descobre-se que todos os detalhes dos atos decisivos possuem um sentido, que servem a importantes interesses da personalidade, e que expressam experiências ainda atuantes e pensamentos catexizados com afeto. Fazem isso de duas formas: por representação direta ou simbólica, podendo, consequentemente, ser interpretados histórica ou simbolicamente.
Para finalizar, Freud diz que na neurose obsessiva, os instintos recalcados que dão origem às neuroses são prioritariamente de ordem sexual, tendo sua raiz na infância. A religião, por outro lado, tenta dar conta também de impulsos egoístas, socialmente perigosos (embora estes também possam ter seus componentes sexuais).
É somente através dos esforços do tratamento psicanalítico que ela se torna consciente do sentido do seu ato obsessivo e, simultaneamente, dos motivos que provocam ao mesmo.

O ESCLARECIMENTO SEXUAL DAS CRIANÇAS
(CARTA ABERTA AO DR. M. FÜRST – 1907)

M. Fürst era médico de Hamburgo e editor de um periódico, ele solicitara à Freud explicações quanto à higiene e à medicina social com o intuito de publicar a fim de levar ao conhecimento da sociedade, Freud atendendo ao seu pedido, preocupou-se em apresentar de forma mais ampliada tal assunto, dando-se ao trabalho de antecipar ao médico que suas declarações seriam de forma mais profunda, assim escreveu Freud ao sr. Fürst: “Não deseja um tratado formal e completo do assunto que leve em conta a extensa literatura existente sobre a questão, mas o juízo independente de um médico a quem a atividade profissional concedeu oportunidades especiais para ocupar-se dos problemas sexuais.”.
A carta endereçada ao Dr. M. Fürst teve seu assunto mais ampliado num debate realizado na Sociedade Psicanalítica de Viena em maio de 1909, tendo o mesmo assunto sido discutido dois anos antes num dos debates da Sociedade e foi na carta endereçada ao Dr. M. Fürst que Freud dá ao início do século XX impactante declarações ao apresentar a criança como um ser dotado de sexualidade e sua importância para o desenvolvimento do sujeito, pois assim ele já afirmava ao se dedicar à teoria de que todas as neuroses provinham de cunho sexual: (…)”por eu considerar a constituição psicossexual e certos males da vida sexual como as causas primordiais das perturbações neuróticas, que são tão comuns.”. Para Freud, a sexualidade infantil é caracterizada como perversa-polimorfa e autoerótica, bem como bissexual. Freud ainda apresenta no artigo sua teoria sobre o Complexo de Édipo e amnésia infantil, ressaltando a importância do esclarecimento sexual para as crianças.
Inicialmente em sua carta, Freud logo apresenta três perguntas que levaria à polêmica:

1) as crianças devem ser esclarecidas sobre os fatos da vida sexual?
2) Em que idade isso deve ocorrer?
3) De que modo isso deve ser realizado?

O próprio Freud respondeu com outra pergunta: “Que propósito se visa atingir negando às crianças, ou aos jovens, esclarecimento desse tipo sobre a vida sexual dos seres humanos?” Ele considerou “igualmente absurdas e indignas de uma contestação judiciosa”, ignorar das crianças algo tão inerente a natureza delas, evitar discutir sobre sexualidade com as crianças é instigar nelas tal interesse, disse ele: “A curiosidade nos leva a esmiuçar coisas que teriam pouco ou nenhum interesse para nós, se tivéssemos sido informados com simplicidade.” ao mesmo tempo em que ressaltou a importância de “conservar pura a imaginação de uma criança”.
Em sua teoria, Freud defende que o recém-nascido já nasce com sua sexualidade, onde irá de desenvolver na fase de lactância e na primeira infância, onde as sensações de prazer sexual são inevitáveis, pois estas são por ventura, da própria natureza da criança, ele ainda acrescenta que poucas crianças alcançam a puberdade sem ter tido sensações e atividades sexuais.
Em seu texto Freud menciona Havelock Ellis (1898) onde o autor declara que nesse período de vida em que se considera uma certa cota de prazer sexual é estimulada pelas zonas erógenas, “pela atividade de certos instintos biológicos e pela excitação concomitante de muitos estados afetivos, é conhecido como o período de auto-erotismo.”
Freud afirmou que a criança possui a capacidade de amar bem antes da puberdade e impedi-la é comprometer sua intelectualidade às atividades sexuais para as quais ela já está psiquicamente preparada e apta fisicamente.
Nesse texto, Freud apresenta o caso do Pequeno Hans a quem ele considera uma criança normal. Para Freud, Hans esteve livre de opressões por parte dos pais e da babá e por isso, teve desenvoltura em sua forma de expressar suas curiosidades sobre as genitálias, o que ocasionou nele a livre forma de expressão.
Freud ainda apresenta no texto a carta de uma garota que na tentativa de sanar sua curiosidade sobre como as mulheres têm bebês, escreve para sua tia a fim de obter alguma resposta. A menina adoecera vítima da neurose que surge de perguntas inconscientes não respondidas — “da meditação obsessiva”, afirmou Freud. E acredita que a curiosidade da criança nunca atingirá uma intensidade exagerada se for adequadamente satisfeita a cada etapa de sua aprendizagem, como dito anteriormente cabe a necessidade dos educadores e pais “conservar pura a imaginação de uma criança”.
Aos dez anos de idade é a idade adequada que Freud considerava ser adequada a dar às crianças esclarecimentos específicos sobre a sexualidade humana e sobre a importância social desta, pois segundo ele é nessa idade que a criança já tenha obtido o conhecimento dos fatos físicos, reprimi-las causa danos que pode envolve-la à buscar sozinha ou em desconhecidos tais esclarecimentos.

ESCRITORES CRIATIVOS E DEVANEIO (1908/1907])

“Em cada um existe um poeta escondido e que
o último poeta deverá morrer junto
com o último homem.”
Sigmund Freud

Em dezembro de 1907, Freud apresentou pela primeira vez para uma plateia de noventa pessoas o texto Escritores Criativos e Devaneios com o objetivo de lhes esclarecer sobre as fantasias, o trabalho foi apresentado nos salões do editor e livreiro vienense Hugo Heller, membro da Sociedade Psicanalítica de Viena, sendo publicado somente em 1908 numa versão completa pela primeira vez num periódico literário de Berlim.
Segundo Freud, a fantasia, assim como a brincadeira, está ligada ao movimento do desejo, que tenta, a todo instante, reencontrar a satisfação original perdida, algo que permita um retorno à situação original.
Nesse texto Sigmund Freud diz que todo indivíduo tem uma capacidade poética, disse ele: “toda criança brincando se comporta como um poeta na medida em que ela vai criar o seu próprio mundo.” A fantasia e a brincadeira são conceitos distintivamente apresentados por Freud nesse texto.
O “fantasiar” (Phantasieren), termo empregado por Freud, remete evidentemente ao conceito de fantasia (Phantasie) que, segundo Roudinesco e Plon (1998), “designa a vida imaginária do sujeito e a maneira como este representa para si mesmo, sua história ou a história de suas origens”.
Em sua apresentação Freud faz uma abordagem sobre três elementos: a criação literária, os sonhos e o brincar infantil. O pai da psicanálise se propõe a procurar a conexão dos escritores criativos e das demais pessoas ao afirmar que no brincar a criança está fazendo o que o escritor criativo faz, quando em suas histórias cria um mundo de fantasia no qual investe muito sentimento em cada história expressada através da escrita. Em toda brincadeira infantil, existe um mundo imaginário capaz de despertar diversos sentimentos, esses sentimentos para as crianças não são meras brincadeiras, mas uma forma de lidar com a sua realidade. A partir de sua manifestação no ato de brincar, para Freud, a criança leva a sério esse seu mundo imaginário, assim como todo investimento que faz quando dá vida às brincadeiras, através das emoções, pois para Freud a antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real.
A criatividade, para o autor, pode ser procurada na infância, no ato de brincar, que diferencia o que é real e o que é fantasia tornando possível a encenação do mundo através das brincadeiras. O brincar da criança é determinado pelo desejo, no caso da criança, o desejo de ser adulto, realizado sem vergonhas ou inibições, a criança está sempre brincando ‘de adulto’ e não tem motivos para ocultar esse desejo, afirmou Freud. Freud atribui à fantasia lugar crucial no funcionamento psíquico: ela é uma criação do sujeito para dar conta do enigma relativo à cena primária. Ele explica que para o homem nada é mais difícil quanto abdicar de um prazer que já experimentou, então, ao parar de brincar, ao crescer, a criança troca uma coisa pela outra, ou seja, em vez de brincar, agora fantasia. Podemos dizer que a criança reedita sua realidade da forma que lhe agrada, através do brincar, o escritor na arte de escrever, ambos investem muita emoção naquilo que expressam.
Assim como os sonhos, o brincar é determinado pelos desejos inconscientes, pois este é da constituição psíquica, nela está presente mecanismos como a figuração, condensação, deslocamento e o simbolismo. Importante ressaltar que brincar não é uma formação do inconsciente, nele a incidência da elaboração secundária é predominante, estabelecendo coerência e ordenação no seu conteúdo manifesto.
Sobre os sonhos e fantasias, Freud disse que nossos sonhos noturnos nada mais são do que fantasias dessa espécie, que através de sua inigualável linguagem lança luz sobre a natureza dos sonhos, denominados por Freud de devaneios. Mas torná-los obscuros seus significados, reprimindo-os é o mesmo que sufocá-los no inconsciente, logo eles serão expressos de forma distorcida. Freud afirma que estudos científicos conseguiram elucidar o fato de distorção onírica, foi possível constatar que os sonhos noturnos são realizações de desejos, assim como os devaneios, denominadas também de fantasias.
A fantasia, por sua vez, é motivada pelos desejos insatisfeitos, toda a fantasia é uma correção da realidade insatisfatória, explica Freud que divide a natureza de tais desejos motivadores da fantasia, em dois grupos naturais: os desejos ambiciosos – que elevam a personalidade do sujeito, e os desejos eróticos – que geram motivos para ocultamentos. Enquanto a criança no seu brincar não encontra vergonha, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas (p.151).
A respeito do escritor criativo, Freud diz: “Faz o mesmo que uma criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação entre o mesmo e a realidade.” (Freud, 1976, p. 150).
É algo natural no processo de maturidade do desenvolvimento humano, atravessar as fases da vida, sendo elas: a infância, adolescência, fase adulta e velhice. Ao passar a fase infantil é natural que as brincadeiras sejam deixadas de lado, com isso, a renúncia ao prazer que obtínhamos no brincar ficam para traz. Contudo, nós sabemos que não é tão fácil abdicar de um prazer antes experimentado. Segundo Freud, nós nunca renunciamos a nada; apenas trocamos uma coisa pela outra. Da mesma forma, a criança em crescimento, quando para de brincar, só abdica do elo com os objetos; em vez de brincar, ela agora fantasia. Constrói castelos no ar e cria o que chamamos de devaneios. (…) O brincar da criança é determinado por desejos: de fato, por (…) único desejo – que auxilia o seu desenvolvimento – o desejo de ser grande e adulto. A criança está sempre brincando “de adulto”, imitando em seus jogos aquilo que conhece da vida dos mais velhos, disse Freud. Ele acrescenta que, diferentemente da criança “que não tem motivos para ocultar esse desejo”, por um lado, o adulto sabe que “não se espera dele” continuar a “brincar ou a fantasiar, mas que atue no mundo real”. Por outro lado, “alguns dos desejos que provocaram suas fantasias são de tal gênero que é essencial ocultá-las. Assim, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas” (Freud, 1976, p. 151).
Freud ainda ressalta que quando as fantasias de tornam exageradas o indivíduo fica suscetível às condições neuróticas e psicóticas, possibilitando assim, a um amplo desvio que conduz à psicopatologia.

FANTASIAS HISTÉRICAS E SUA RELAÇÃO COM A BISSEXUALIDADE (1908)

Pela primeira vez em 1897, Freud nos apresenta através do decurso de sua auto-análise, a importância das fantasias como bases dos sintomas histéricos, pois para ele as fantasias originadas dos devaneios da juventude feminina, onde sua natureza é erótica, e que surgem para a satisfação de desejos que foram originados de suas privações e anelos. Apesar do título chamar atenção para a bissexualidade seu foco principal é a relação entre fantasia e sintomas.
A psicanálise nasceu dos discursos de Sigmund de Freud sobre a histeria com os sintomas de paralisias, cegueiras, dentre outros sintomas ligados ao corpo. Tornando como princípio para os estudiosos da psicanálise um conhecimento aprofundado sobre a importância das fantasias que dão origem ao sintoma e à sua bissexualidade.
Inicialmente ao analisar o caso Dora (Ida Bauer), Freud acreditava que seus sintomas estavam ligados à relação com seu pai e ao sexo masculino, estas representadas por amor e ódio, mas Freud logo percebeu, que havia uma ligação principal dos seus sintomas com a construção da sua feminilidade e às figuras femininas de sua vida, como sua mãe e a Sra. K., fazendo com que Freud considerasse em Dora a bissexualidade histérica.
Quanto as fantasias, Freud diz que podem ser inconscientes ou conscientes, e quando são inconscientes, podem manifestar-se como sintomas e ataques. Uma fantasia inconsciente tem uma conexão muito importante com a vida sexual do sujeito, pois é idêntica à fantasia que serviu para lhe dar satisfação sexual durante um período de masturbação. No ato masturbatório o sujeito encontra de sublimar a fantasia, e quando o mesmo é abandonado e o sujeito não encontra um objeto sexual para que possa sublimar a sua fantasia, a mesma pode se converter em sintomas histéricos, como forma de restabelecer a satisfação primária (o corpo), mas, não completa, porém, aproximada com o intuito de obter a autogratificação, disse Freud.
Freud orienta que a técnica psicanalítica permite em primeiro lugar inferir dos sintomas o que essas fantasias inconscientes são, e então torná-las conscientes para o paciente. Esse método de investigação psicanalítica, que dos sintomas visíveis conduz às fantasias inconscientes ocultas, revela-nos tudo que é possível conhecer sobre a sexualidade dos psiconeuróticos, inclusive o fato que deve ser o tópico principal dessa breve publicação preliminar.
Ainda sobre o tratamento analítico, enfatizou Freud ao dizer: “No tratamento psicanalítico é extremamente importante estar preparado para encontrar sintomas com significado bissexual. Assim não ficaremos surpresos ou confusos se um sintoma parece não diminuir, embora já tenhamos resolvido um dos seus significados sexuais, pois ele ainda é mantido por um, talvez insuspeito, que pertence ao sexo oposto. No tratamento de tais casos, além disso, podemos observar como o paciente se utiliza, durante a análise de um dos significados sexuais, da conveniente possibilidade de constantemente passar suas associações para o campo do significado oposto, tal como para uma trilha paralela.”

CARÁTER E EROTISMO ANAL

A primeira aparição do termo caráter nos escritos freudianos foi nos Estudos sobre a Histeria e 1905. Nele, Freud relata dois de seus casos, o de Frau Emmy von N. e Fraülein Elisabeth von R., onde faz menção ao caráter como um conjunto de traços ou características psicológicas pessoais, como, por exemplo, a desobediência, a ambição, a violência, a independência, a irritabilidade etc. Em sua obra A Interpretação de Sonhos (1900), Freud faz também uma pequena referência ao caráter, mas apenas para auxiliar seu esforço de construir um modelo do aparelho psíquico, sem formular acréscimos de qualquer elemento novo ao uso dessa noção.
Mas a motivação de Freud para escrever Caráter e Erotismo Anal foi pouco tempo antes ao analisar o caso Homens dos Ratos de 1907. Em caráter e Erotismo Anal, Freud aponta para alguns indivíduos que se distinguem de outros por determinados traços de caráter, relacionando-os ao comportamento de um órgão em uma fase primitiva da vida. Ele selecionou três características que descrevem bem o caráter dessas pessoas ou uma série de traços de caráter que as interligam: ordeiras, parcimoniosas e obstinadas, pois para Freud essas três características estão indubitavelmente ligadas por formarem entre si um grupo ou série de traços de caráter. Freud definiu o ordeiro a àquele que se refere, de uma forma exagerada, à avareza, à economia, tanto abrange a noção de esmero individual como o escrúpulo no cumprimento de pequenos deveres e a fidedignidade. Ele ainda considera que essas duas últimas características, a parcimônia e a obstinação, possuem entre si uma ligação mais estreita do que com a primeira ordem. Vejamos de forma mais detalhada tais características mencionadas por Freud.

– Ordeiro = esmero individual, escrúpulo no cumprimento de pequenos deveres e a fidedignidade (autenticidade, veracidade).
– Parcimônia (economia) pode aparecer de forma exagerada como avareza.
– Obstinação (persistência, teimosia) pode transformar-se em rebeldia, à qual podem facilmente associar-se a cólera e os ímpetos vingativos.

Na análise de Freud esses indivíduos tiveram na sua infância um tempo considerado por ele longo para superar o que ele denominou de incontinência fecal (incontinencia alvi) infantil, onde os mesmos dispenderam de um tempo relativamente longo para superar sua incontinência fecal infantil, na infância posterior sofreram falhas isoladas nessa função. Quando bebês, recusavam a esvaziar os intestinos ao ser colocado no urinol, gostavam de reter as fezes, e fizeram toda uma série de coisas indecorosas com suas fezes (embora atribuam o fato mais facilmente em relação a irmãos e irmãs do que a si mesmos).
Nessa condição, Freud deduz de tais indicações que: essas pessoas nasceram com uma constituição sexual na qual o caráter erógeno da zona anal é excepcionalmente forte; o desaparecimento deste erotismo anal leva a concluir que no decurso do seu desenvolvimento a zona anal perdeu sua significação erógena e a regularidade com propriedades apresenta-se que essa tríade de no caráter dessas pessoas pode ser relacionada com o desaparecimento do erotismo anal. O erotismo anal é um dos componentes da pulsão sexual que, no desenvolvimento e de acordo com a educação que a nossa atual civilização exige, se tornarão inúteis para os fins sexuais.
Em 1913, Freud afirmou que poderosos fatores sexuais encontram-se envolvidos no valor que lhe é atribuído. Alguns anos antes, em Caráter e Erotismo Anal, “seguindo a trilha” da neurose obsessiva, Freud pôde proporcionar uma visão teórica sobre os “poderosos fatores sexuais” apontando para a relação entre o dinheiro e a analidade, pois para Freud as conexões entre os complexos do apego ao dinheiro e da defecação, aparentemente tão diversos, afiguram-se as mais extensas.
Contudo, os traços de caráter permanentes, são ou prolongamentos inalterados das pulsões originais, ou sublimação dessas pulsões ou formações reativas contra as mesmas.

MORAL SEXUAL CIVILIZADA E DOENÇA NERVOSA MODERNA (1908)

O assunto em questão já havia sido mencionado muito antes por Sigmund Freud em uma de suas cartas endereças ao seu amigo Fliess em 31 de maio de 1897, na qual ele escreve que “o incesto é antissocial e a civilização consiste na renúncia progressiva ao mesmo” e em sua outra obra Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1905, ele diz que “a realização inversa que existe entre a civilização e o livre desenvolvimento da sexualidade”. Em os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud apresenta suas posições revolucionárias a respeito da sexualidade humana, sobretudo ao postular que ela age a serviço próprio, não possui objeto fixo, e que seu objetivo é o prazer e não a procriação. Assim sendo, os destinos da sexualidade não são dados a priori pela biologia: trata-se de uma construção mítica – o mito individual do neurótico – que permite ao sujeito (re)significar a sua história. Nossas referências identitárias mais caras, assim como nossas posições ético-morais, ou seja, o sistema de valores que organizam o nosso cotidiano, foram profundamente questionadas por Freud.
O tema da sexualidade é fundamental para a psicanálise desde seus primórdios, fato esse comprovado pela constante ênfase de Freud sobre a participação da sexualidade nas questões psíquicas, especificamente na etiologia das neuroses. Mais do que afirmar uma atividade sexual na tenra infância, Freud demonstra que o interesse da psicanálise pelo campo da sexualidade diz respeito a uma falta de orientação relativa à satisfação pulsional. De todos os elementos da teoria psicanalítica, a questão da sexualidade e da diferença sexual é provavelmente aquele que mais sofreu modificações ao longo da obra freudiana. Embora o papel preponderante da sexualidade tivesse sido reconhecido por Freud desde a década de 90 do século XIX, com a teoria do trauma e da sedução, a elaboração teórica desse conceito sempre foi extremamente complexa.
Para Freud devemos entender por moral sexual natural uma moral sexual sob cujo regime um grupo humano é capaz de conservar sua saúde e eficiência, e por moral sexual civilizada, uma obediência moral sexual àquilo que, por outro lado, estimula os homens a uma intensa e produtiva atividade cultural.
Para entender melhor as exigências da moral cultural, Freud propõe que, em relação à sexualidade, teria havido três estágios de civilização. O primeiro estágio seria aquele onde a sexualidade teria livre curso, sem nenhum empecilho. No segundo estágio, a sexualidade estaria reprimida e liberada apenas para fins reprodutivos. Mas é no terceiro estágio da civilização, correspondente à atualidade em 1908 que a sexualidade continuava reprimida, liberada para a reprodução desde que legitimada pela lei, ou seja, o sujeito pode ter relações sexuais para fins reprodutivos e que esta reprodução esteja legalmente autorizada. As exigências da moral sexual do terceiro estágio excluem toda a sexualidade não heterossexual e mesmo nesta, termina por provocar sintomas como frigidez, impotência, insatisfações, sobre as quais Freud detém longamente, mostrando o grande custo pessoal e social daí decorrente.
Para Freud o núcleo das tensões é a libido, pois ela é o organizador do aparelho psíquico. A libido é a energia associada aos instintos sexuais, que nas fases iniciais são de orientação interna; fases anal, oral e fálica, finalmente atingindo a fase externa; a fase genital. A latência, por sua vez ocorre pela sublimação da energia libídica e faz com que haja um investimento em outras naturezas relacionadas, como a cultura e a sociedade.
Em sua experiência clínica, Freud considerou distinguirmos dois grupos de distúrbios nervosos: as neuroses propriamente ditas e as psiconeuroses. O ponto crucial, digamos de destaque quando Freud fala de sexual, dar-se por sua dedução de que, “o fator sexual é o fator básico na causação das neuroses propriamente ditas” e “nas neuroses, os impulsos pervertidos, por exemplo, após terem sido reprimidos, manifestam-se a partir da parte inconsciente da mente — porque as neuroses contêm as mesmas tendências, ainda que em estado de ‘repressão’, das perversões positivas”. Para Freud, as neuroses nos efeitos somáticos ou mentais, podem ser de natureza tóxica. “Essas neuroses — comumente agrupadas sob a denominação de ‘neurastenia’ — podem resultar de influências nocivas na vida sexual, sem que seja necessária a presença de taras hereditárias; na verdade, a forma da doença corresponde à natureza desses males, de modo que, com freqüência, o fator etiológico sexual pode ser deduzido do quadro clínico.
Quanto as psiconeuroses, Freud faz menção sobre a influência genética, mas logo sugere seu método psicanalítico de investigação através do inconsciente por descobertas dos distúrbios como histeria, neurose obsessiva, etc, pois estes são psicogênicos, atuantes através de conteúdos reprimidos. Para concluir, disse Freud em seu texto em questão: “Esse mesmo método revelou-nos a natureza desses complexos inconscientes, mostrando que, de maneira geral, possuem um conteúdo sexual. Derivam das necessidades sexuais de indivíduos insatisfeitos, representando para os mesmos uma espécie de satisfação substitutiva. Portanto, todos os fatores que prejudicam a vida sexual, suprimem sua atividade ou distorcem seus fins devem também ser visto como fatores patogênicos das psiconeuroses.”
O conceito de inconsciente, introduzindo pela psicanálise, desconhece os valores morais (CHAUÍ, 2001). Isto faz com que atos moralmente condenáveis sejam vistos, no entanto, como psicologicamente necessários. A rigidez moral surge, através do olhar psicanalítico, como fonte de sofrimento psíquico, pois limita a circulação pulsional. A supressão dos desejos inconscientes com a subsequente impossibilidade de simbolização pode ameaçar o contrato social pela transgressão abrupta e traumática de seus valores pelo sujeito reprimido. Ao sujeito que escapa a esta situação caberia uma resignação neurótica, ou seja, o adoecimento: “Em suma, sem a repressão da sexualidade, não há sociedade nem ética, mas a excessiva repressão da sexualidade destruirá, primeiro, a ética e, depois, a sociedade” (CHAUÍ, 2001, p. 356).
Em sua obra em discussão, Freud nos apresenta um confronto entre a “moral sexual natural” e a “moral sexual civilizada”. Por “moral sexual natural” devemos compreender um conjunto de normas que, embora limitem a sexualidade, o desejo e o prazer, permite, todavia, ao homem conservar sua saúde e sua eficiência na vida social. Já por “moral sexual civilizada” devemos entender uma moral extremamente exigente e que, de maneira tirânica, obriga os homens à privação sexual, tendo em vista integrá-los ao sistema de uma intensa produtividade cultural (SANTOS, 2008). Para Freud, entretanto, esta moralidade, elevada ao grau de uma tirania, exige imensos sacrifícios aos homens e o excesso de moralismo colocaria em risco a própria civilização.

SOBRE AS TEORIAS SEXUAIS DAS CRIANÇAS (1908)

“A criança possui, desde o princípio, o instinto e as atividades sexuais. Ela os traz consigo para o mundo, e deles provêm, através de uma evolução rica de etapas, a chamada sexualidade normal do adulto. Não são difíceis de observar as manifestações da atividade sexual infantil; ao contrário, deixá-las passar desapercebidos ou incompreendidas é que é preciso considerar- se grave.”
(SIGMUND FREUD)

Nesse texto foi apresentada a proposta de que a criança possuidora de pureza e felicidade sem igual também dispõem de desejos e conflitos. Ao anunciar sua teoria, Freud chocou a sociedade vienense de sua época ao apresentar suas teorias sobre a sexualidade infantil em 1908, através da sua obra em discussão As Teorias Sexuais das Crianças. Ainda hoje, é impossível discutir sexualidade sem esbarrar em barreiras morais, sociais, religiosas e até mesmo teóricas. As descobertas de Freud a respeito da sexualidade acabaram, no final das contas, causando uma grande ruptura com as ideias concebidas na época, principalmente no que diz respeito à sexualidade infantil. Fazia parte da opinião popular, e ainda se faz, a ideia de uma infância “inocente”, o qual o bebê e a criança eram considerados assexuados. Mesmo com toda sua polêmica sobre o assunto na época, Freud deixou seu legado para compreendermos melhor o mundo das crianças de forma mais aprofundada sem ignorar suas necessidades e sentimentos, a começar pela sua sexualidade.
Nessa obra, Freud traz uma visão de criança afastada da classificação temporal do conceito social marcada por fases de desenvolvimento, por isso, ele considerou difícil determinar até que ponto se deve supor que as observações relatadas a respeito de algumas crianças poderia ser aplicada em todas as crianças.
Para ele a criança já nascia com o que ele chamava de “germes de movimentos sexuais”, e que esses “germes” passavam a evoluir de acordo com o desenvolvimento da criança, até que “em algum período da infância sofram repressões progressivas com algumas interrupções pelo próprio desenvolvimento particular do indivíduo”.
Considerando ainda as pressões da educação e a variável intensidade do instinto sexual certamente permitem grandes variações individuais no comportamento sexual delas, e sobretudo influenciam a época do aparecimento do interesse sexual da criança. Freud apresentou as fases psicossexuais, na qual mostrou que o desenvolvimento do ser homem se dá por estágios, que foram denominados por estágio oral, anal, fálico, latência e por último o estágio genital. Então, Freud dividiu seus conceitos de acordo com os sucessivos períodos da infância, onde reuniu numa única exposição fatos que ocorrem ou mais cedo ou mais tarde em cada criança. Ele ainda ressaltou que pelo menos em nenhuma criança mentalmente normal e menos ainda as bem dotadas intelectualmente pode evitar o interesse pelos problemas do sexo nos anos anteriores à puberdade.
A partir da caracterização da vida sexual infantil, Freud (1905) propõe uma organização sexual por meio de quatro fases de desenvolvimento – oral, sádicoanal, fálica e genital – que vão culminar na vida sexual adulta, em que as pulsões, ficarão sob o domínio da zona genital. Todas as fases organizam um conflito interno típico e um modo de defesa, como no caso da fase fálica, em que o conflito do desejo libidinoso pela mãe precipita o complexo de Édipo como sintoma de um desejo incestuoso. Convém destacar ainda que as fases de desenvolvimento são resultados de um processo que inclui o acionamento de mecanismos de defesa como o recalque e a projeção, que por sua vez implicam fixações e regressões para caracterizar sua estruturação mais dinâmica – já que sinuosa – do que linear e determinista. Cada fase diz respeito a uma etapa do desenvolvimento da libido em que há a preponderância de uma zona erógena e uma modalidade específica de relação com o objeto.
Freud apresenta aos leitores as idéias da fertilização pela boca, do nascimento pelo ânus, das relações sexuais dos pais como algo sádico e da posse de um pênis por membros de ambos os sexos. Essa última noção envolveria as implicações mais extensas, também mencionadas pela primeira vez nestas páginas: a importância do pênis para as crianças dos dois sexos, os resultados da descoberta de que um dos sexos não o possui, o aparecimento na menina da ‘inveja do pênis’ e nos meninos do conceito da ‘mulher com um pênis’, e o papel desse conceito numa forma de homossexualidade.
A sexualidade proposta por Freud é uma sexualidade ampliada e radicalmente diferente da concepção naturalista que predominava no final do século XIX, quando a normalidade sexual era definida pela sexualidade adulta e a consumação do ato sexual referida a fins de reprodução. A masturbação infantil, a simples busca do prazer sexual, ou ainda a impossibilidade do ato sexual (como em alguns casos de impotência) eram consideradas condutas anormais (perversas) ou sinais de degenerescência.
Segundo Freud a vida sexual da criança é inteiramente constituída de atividades de pulsões parciais independentes umas das outras, que possuem valor igual e seguem seu próprio caminho em busca do prazer no corpo e em parte já de um objeto externo. A ideia de sujeito em Freud se relaciona à exigência de satisfação da pulsão sexual, como é discutido, de forma abrangente, em Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, texto em que o autor delineia o desenvolvimento psicossexual da criança. As pulsões componentes parciais dessa fase não existem sem objetos, mas esses objetos não convergem necessariamente em um único objeto. Podemos chamar esta fase de auto-erotismo. É o critério do objeto que separa a sexualidade infantil da adulta.
Portanto, Freud considerou que a sexualidade vem desde o nascimento da criança, assim ele foi o primeiro a considerar como natural em crianças o que para muitos pode ser considerado com errado ou até mesmo estranho, como ereções, masturbação e até mesmo algumas coisas que podem ser consideradas simulações sexuais.

 

ALGUMAS OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE ATAQUES HISTÉRICOS (1909/1908)

A pedido de Albert Moll (1862-1939), Freud escreveu este artigo para um novo periódico fundado pelo mesmo. Albert Moll era um psiquiatra alemão e crítico do misticismo, ocultismo e espiritualismo. Embora tenha estudado pesquisas parapsíquicas, ele foi crítico e ofereceu explicações psicológicas naturalistas para fenômenos paranormais. Moll acreditava que a natureza sexual envolvia duas partes inteiramente distintas: estimulação sexual e atração sexual.
Na Idade Média e no mundo cristão, inúmeras pessoas foram objeto de exorcismo e, segundo a crença da época, muitas tiveram suas almas purificadas na fogueira. Havia o entendimento de que um espírito invasor tomava o corpo do outro. “Os pobres histéricos” escreveu Freud, “que em séculos anteriores tinham sido lançados à fogueira ou exorcizados, em épocas recentes e esclarecidas, estavam sujeitos à maldição do ridículo; seu estado era tido como indigno de observação clínica…” (1977a, p.77).
No dicionário psicanalítico histeria é uma neurose, caracterizada por quadros clínicos diversos, onde os conflitos psíquicos inconscientes se exprimem de maneira teatral e sob forma de simbolizações, através de sintomas corporais (Roudinesco e Plon, 1997).
A partir do modelo da histeria, Freud construiu uma teoria psíquica, abarcando o sintoma, a defesa e a constituição do sujeito do ponto de vista psicológico, indo além da nosografia médica de final dos anos 1800. A histeria, enquanto estrutura neurótica apresentou-se paralelamente com a descoberta do inconsciente, o que podemos considerar aqui como uma instância psíquica de onde se originam os sintomas.
Em Estudos sobre a Histeria, Freud e Breuer introduzem suas ideias sobre a doença, como sendo originária de uma fonte da qual os pacientes relutam em falar ou mesmo não conseguem discernir sua origem. Tal origem seria encontrada em um trauma psíquico ocorrido na infância, em que uma representação atrelada a um afeto aflitivo teria sido isolada do circuito consciente de ideias, sendo o afeto dissociado desta e descarregado no corpo.
A teoria inicial de Freud indicava que a manifestação do ataque histérico seria o produto final de um conflito de ideias (representações) patogênicas que não encontraram ab-reação adequada. No princípio da elaboração da teoria freudiana, o inconsciente apresentava-se como um segundo estado ou estado anormal da consciência, no qual se localizavam ideias conflituosas e às inacessíveis ao paciente. Essas ideias eram rechaçadas para uma segunda consciência, por não ter ab-reagido ao afeto por meio do falar, do pensar ou do impulso motor, disse ele: “Ao empreendermos a psicanálise de uma paciente histérica cuja enfermidade manifesta-se através de ataques, logo nos convencemos de que tais ataques não passam de fantasias traduzidas para a esfera motora.”
Freud concluiu ao investigar a história infantil de pacientes histéricos mostrando que o ataque histérico destina-se a substituir uma satisfação auto-érotica praticada no passado e à qual o indivíduo renunciou. Nessa fantasia, o sujeito histérico é vítima, em constante estado de insatisfação. Em seus casos analisados, ele constatou que essa satisfação, o que ele chamou de masturbatória através de movimentos entre as coxas, da língua, etc é comum nos ataques enquanto a consciência do indivíduo era desviada. Ademais, o aumento da libido, este a serviço do objeto, era uma forma de consolo, que numa época anterior repetia tais condições como uma forma intencional de satisfação auto-erótica.
Na anamnese com suas pacientes, Freud constatou os seguintes estágios no paciente:

a) satisfação auto-erótica, sem conteúdo ideativo;
b) a mesma satisfação, em conexão com uma fantasia que leva ao ato de satisfação;
c) renúncia ao ato, com a permanência da fantasia;
d) repressão da fantasia, que então se manifesta através do ataque histérico, ou em uma forma inalterada ou numa forma modificada e adaptada às novas impressões do meio.

Eis aqui o que ele considerou como um ciclo típico de atividade sexual infantil: repressão, malogro da repressão e retorno do reprimido.
Freud concluiu dizendo que: “Encarando o conjunto, os ataques histéricos, assim como a histeria em geral, revivem uma parcela da atividade sexual das mulheres que existiu durante sua infância e que naquele período revelava um caráter essencialmente masculino. Podemos observar com freqüência que aquelas jovens que mostravam natureza e tendências masculinas nos anos anteriores à puberdade, são justamente as que se tornam histéricas daí em diante. Em grande número de casos a neurose histérica representa apenas uma intensificação excessiva daquele influxo típico de repressão que, apagando a sexualidade masculina, permite o aparecimento da mulher.”
O mecanismo da histeria pode ser resumido da seguinte forma: o desejo descortina o gozo, o gozo suscita a fantasia, a fantasia contém angústia e a angústia se transforma em sofrimento (Násio, 1994).

 

ROMANCES FAMILIARES (1909 /1908)

Os primeiros escritos de Freud sobre a família encontra-se claramente em suas primeiras obras, observa-se que o pai da psicanálise e Lacan apresentam textos específicos sobre a família. Freud, em seus escritos sobre a família primeva e, Lacan no texto Os Complexos Familiares (1938). O percurso que Freud fez ao escrever sobre família se inicia na grande invenção freudiana do complexo de Édipo, ao final do século XIX, quando Freud introduz, na cultura ocidental cristã, a idéia de que o pai gera o filho que será o seu assassino (ROUDINESCO, 2003). Esse pai morto é recuperado, por meio da vivência edipiana, como um pai simbólico, um pai de identificação. Passa-se, então, de uma leitura sociológica e antropológica da família, a uma acepção psicanalítica da mesma: “Assim, Freud chegou rapidamente a formular uma teoria da família (…) fundada sobre uma dissimetria, aparecida desde as primeiras investigações na situação dos dois sexos em relação ao Édipo (…)” (LACAN, 1938/1997, p.53).
Romances Familiares é um artigo de Sigmund Freud, publicado em 1909, nele Freud apresenta uma dinâmica familiar em que faz uma articulação entre as fantasias e configurações psíquica dos neuróticos.
Abordar o assunto é por certo complexa e enigmática. Para a psicanálise, “romance familiar” é uma expressão criada por Freud para designar fantasmas fundamentado no complexo de édipo pelos quais o indivíduo modifica imaginariamente os seus laços com os pais, imaginando por exemplo, ser uma criança abandonada. A expressão romance familiar designa para o pai da psicanálise as fantasias que são criadas pelos sujeitos com o objetivo de modificar o tipo de vínculo estabelecido com os pais durante a infância, cujos laços giram em torno dos pais idealizados. Freud nos ensina que os sintomas neuróticos são consequências do complexo de Édipo que ordena a estrutura da família. Em muitos textos de Freud podemos ver o valor que ele dá a família ao considerá-la como a maior coletividade da humanidade. Portanto, a psicanálise propõe ao introduzir o conceito de sujeito, é que a família possa ser vista não como uma massa, uma soma de individualidades, mas, sim, como um conjunto aberto, uma coleção de singularidades, em que cada membro possa ser tomado um a um.
Nesse artigo, Freud fala que a criança inventa um novo pai e uma nova mãe num período fantasioso, mas logo compreende que o pai é incerto e a mãe certíssima, passa a exaltar o pai, ou seja, restaura sua imagem. Em seu desenvolvimento a criança inicialmente busca igualar-se aos pais, em seu processo de identificação, percebe que existem outras referências que podem ser melhores que seus pais. E então começa a “rivalidade sexual” entre os membros da família: a mãe deseja continuar jovem e atraente como a filha, esta por sua vez deseja ser atraente como a mãe, o pai sinaliza que desejaria que a mãe tivesse a juventude da filha, esses são exemplo em que podemos ver que na família podemos amar e odiar. Podemos citar outro exemplo em que a mãe por sua vez “protege” o filho da “incompreensão” paterna, o irmão não “gosta” dos namorados da irmã e vice-versa. Assim de forma tácita, quase invisível, os “romances” vão se delineando. A questão é quando os pais, irmãos, tios, primos, no destino que deram às suas leis internas ultrapassam a lei e acessam no real um corpo que não deveria ser violado e para além deste uma alma.
Nesse contexto é que começam os afastamentos, necessários, de ressignificação, seja pela fantasia ou daquilo que não se consegue elaborar, no real. O conteúdo das fantasias é diversificado, porém sempre são permeadas por relações inventadas que concernem aos pais, ou seja, o sujeito cria para si uma família e estabelece uma espécie de romance. Entre as fantasias encontram-se aquelas onde o sujeito imagina que seus pais verdadeiros são outros.
Podemos dizer que a vida em grande medida é romanceada, seja pelas fantasias, pela pulsão de vida, pela energia libidinal. Na criança descobre-se em desejo sexual, seja pela masturbação, ou pela energia hormonal que é detentora. Se a criança conhece os processos sexuais, ela se imagina em relações eróticas, como seus pais um dia se imaginaram e se imaginam. É nesse contexto que as disputas, intrigas, podem ser potencialmente uma forma de escoar desejos reprimidos, são assim significantes.
Para Freud, a resposta está no fato de que o familiar traz, também, algo escondido, oculto, que se mantém fora de vista. Um estranho, nada de novo ou alheio, familiar, há muito estabelecido na mente e dela alienado por meio do processo de recalque. Porém, tal impressão de estranheza manifesta-se na vida cotidiana, na criação estética, quando certos complexos infantis recalcados são abruptamente despertados em diversos temas angustiantes (ROUDINESCO, 2003).
Portanto, a família é uma estrutura ancorada na lógica do não-todo fálico, apresentando em sua estrutura um ponto vazio no qual não há palavra que possa dizê-la toda. Logo, a família tem, em sua base, a falta, falta essa estrutural. Os mitos familiares, as ficções presentes no romance familiar, permitem bordejar esse ponto vazio da estrutura familiar. Nesse artigo, Freud deixa claro que a criança idealiza os pais até um certo momento, mas depois precisa desromantizá-los para então se relacionar com os pais reais.

 

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